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Pesquisa descobre como bebês são afetados pelo Zika vírus

A infecção da gestante pelo vírus Zika pode resultar em graves defeitos na formação do feto. Isso foi amplamente noticiado pela mídia entre os anos de 2015 e 2016. Para entender as causas desses defeitos, que em muitos casos fizeram com que os bebês nascessem com microcefalia e fossem a óbito, uma rede composta por mais de 30 pesquisadores brasileiros, apoiada pela FAPESP, dedicou-se ao tema. E, após meia década de trabalho árduo, chegou a resultados importantes. Artigo a respeito foi publicado pelo grupo na revista Science Signaling.

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“Conseguimos mostrar, pela primeira vez, o que acontece no cérebro do feto afetado pela Síndrome de Zika Congênita (CZS)”, disse o especialista em bioinformática Helder Nakaya, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP).

Amostras

Para isso, os pesquisadores colheram amostras dos cérebros dos bebês que morreram devido à CZS e as compararam com amostras de cérebros de bebês vitimados por outras causas. “Foi um gesto de grandeza dos pais nos autorizarem a fazer essa coleta em um momento de tanto luto. Eles agiram com a consciência de que estavam ajudando a ciência e de que a ciência poderia ajudar muitas pessoas no futuro”, afirma Nakaya.

A comparação permitiu observar várias anomalias nos cérebros dos bebês portadores de CZS. “A análise do genoma [conjunto de genes], do transcriptoma [conjunto de RNAs transcritos pelos gene] e do proteoma [proteínas produzidas a partir dos RNAs mensageiros] dos cérebros revelou diversas alterações moleculares importantes – entre elas, genes relacionados ao desenvolvimento neuronal, possíveis desregulações de neurotransmissores, como o glutamato, e até alterações em diferentes tipos de colágenos”, destaca Nakaya.

Moléculas de RNA

Ao integrar dados de transcriptoma e proteoma, o grupo conseguiu identificar microRNAs (miRNAs, pequenas moléculas de RNA que não codificam proteínas) regulatórios possivelmente relacionados à CZS. Um dos miRNAs encontrados, o mir-17-5p, já havia sido previamente associado à infecção viral em culturas de astrócitos – as células mais abundantes do sistema nervoso central.

“Outros achados importantes incluem variantes genéticas em proteínas-chave do sistema imunológico e do desenvolvimento do sistema nervoso. Esses achados podem explicar uma maior suscetibilidade à CZS em bebês que possuem essas variantes genéticas. Finalmente, ao integrar os três tipos de dados [genômicos, transcriptômicos e proteômicos], encontramos várias alterações em vias de sinalização relacionadas à organização da matriz extracelular [conjunto de macromoléculas secretadas pelas células que auxilia desde o crescimento de diferentes tecidos até a manutenção de um órgão inteiro] – o que pode explicar, em parte, a própria CZS”, acrescenta Nakaya.

Bioinformática

O pesquisador sublinha que esse levantamento exigiu um trabalho muito pesado de bioinformática, devido à enorme quantidade de dados gerados. “O DNA humano contém 3,2 bilhões de bases, que podem gerar 150 mil transcritos [RNAs codificadores de proteínas e não codificadores] e codificar para mais de 25 mil proteínas. Apenas com um time multidisciplinar como este, com pesquisadores de diversas instituições de pesquisa excelentes, fomos capazes de integrar tanta informação biológica”, diz.

Nakaya enfatiza que a ciência tem seu tempo, coisa que nem sempre é bem compreendida. “O surto de zika começou em 2015 e só agora temos os resultados. É o tempo de que a pesquisa científica necessita. Eu sei que todo mundo quer respostas imediatas, mas a verdade é que acelerar artificialmente os processos tende a resultar em uma ciência de má qualidade”, afirma.

Todos os dados brutos também estão agora disponíveis publicamente para que a comunidade científica possa fazer suas próprias análises. E investigar em profundidade o papel de cada molécula descrita no trabalho.

*Reportagem de José Tadeu Arantes, da Agência FAPESP

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