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Uma grande alma

Como se conhece, verdadeiramente, uma pessoa?

A sabedoria popular fala em duas condições potencialmente reveladoras do caráter: dinheiro e poder.

E está certa: com muito no bolso e muito mais na ponta da caneta, endinheirados e poderosos vertem, não raro, para o pedantismo e a arrogância.

Outra forma inquestionável de sondagens d’alma é o tempo – donde surge a alegoria do consumo conjunto de um quilo de sal, que demanda prolongada convivência (ainda mais arrastada nesta época de pressão arterial nas alturas, recomendando pitadas cada dia mais modestas).

A estas pérolas de sabedoria, acrescento hoje mais alguns “testes” infalíveis da índole – e infinitamente mais baratos, diga-se de passagem. Porque, convenhamos, quem tem tempo, dinheiro e poder sobrando para colocar uma alma à prova?

O primeiro deles é o teste da garrafa. Abra e deixe o sujeito sorver todo o conteúdo. Depois, dê-lhe ouvidos. Você vai perceber que o superego foi embora. No lugar dele emerge o verdadeiro eu.

Não o seu, o dele (pois você, naturalmente, precisará estar sóbrio). Diversas camadas de filtros culturais cairão, sem freios nem culpas, revelando a verdadeira natureza a sua frente.

Pode emergir daí um sujeito violento ou afetuoso; humilde ou pernóstico. Ou, para sua surpresa, daquelas dignas de cair o queixo, uma (até então) insuspeita quebrada de munheca.

Outra situação reveladora ocorre no jogo – seja de carteado ou de futebol. Em meio a partida, lances subliminares vão expor generosidade ou ganância; fair play ou destempero.

Mas nenhum teste é mais eficiente do que a adversidade. Pois é no balanço vermelho que os sócios brigam; é na divisão do roubo que os ladrões se estapeiam; é na perda que se pode, enfim, contemplar os verdadeiros matizes de uma alma.

E eu acabei de ter a singular experiência de vislumbrar uma nobre e bela alma.

Ela pertence a uma jovem senhora (aos meus olhos, ainda uma criança), impingida a encerrar as atividades de seu empreendimento, que por motivos alheios a sua vontade e competência, não conseguiu fazer prosperar.

Esse vislumbre ocorreu em dois momentos distintos. Em ambos, seus olhos brilhavam.

Na inauguração, brilhavam de júbilo, cercada por todos. No encerramento, sozinha, brilhavam no marejar das lágrimas.

Na alegria ou na adversidade, porém, ela conservou a afabilidade e a educação no tratamento dos clientes. Dela, a elegância jamais se apartou – nem mesmo no último momento, quando enfim teve que ser a última a soltar a alça do caixão, sepultando seu tão sonhado empreendimento.

Em sua sobriedade elegante, olhos brilhantes, ela emanava uma mensagem das mais importantes: o homem sempre será maior que seus bens materiais.

E está absolutamente correta.

Alemanha e Japão, atacados, bombardeados e dizimados são exemplos macros que poucos ousam exercitar em seus microcosmos particulares.

Mas deveriam.

Pois o imaterial, quando é forte, será sempre capaz de refazer, reinventar, reconstruir.

E onde existe uma grande alma, sobra disposição para grandes recomeços.

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