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Vítimas contam como venceram doença rara que causa mortes

Determinação, superação e força de vontade. Essas são as principais virtudes levantadas por três pessoas entrevistadas pelo Portal Correio que conseguiram sobreviver à Síndrome de Guillain-Barré, uma doença rara, que teria ligações com a dengue, zika e outras patologias, atinge severamente o sistema nervoso e provoca paralisia, podendo levar à morte em poucos dias, caso não haja tratamento adequado. O diagnóstico errado é um problema e um especialista orienta como o paciente deve proceder. Na Paraíba, duas pessoas morreram por conta da síndrome, em 2015.

Um dos sobreviventes da Guillain Barré é o aposentado paraibano Aluce Nóbrega, de 68 anos. Morador do município de Patos, no Sertão paraibano, a 317 km de João Pessoa, Aluce contraiu a síndrome em meados de agosto de 2014 após uma gripe.

“Em agosto de 2014, eu peguei uma gripe muito forte. Não procurei o médico, pois pensava que iria melhorar. Passado algum tempo, a gripe se agravou e comecei a sentir fraqueza no corpo. Tinha dores nas pernas, como uma câimbra. Fui perdendo a força e chegou o tempo que não pude mais trabalhar então tive que me aposentar”, disse Aluce Nóbrega.

Pouco tempo após a aposentadoria, Aluce foi internado durante uma semana por conta do agravamento dos sintomas. Na internação, ele perdeu a força nas pernas e ficou dependente de uma cadeira de rodas. Liberado pelos médicos, que afirmaram não poder tratar a doença que ainda não havia sido diagnosticada, Aluce foi orientado a procurar hospitais ou clínicas em Campina Grande.

“Sempre fui muito bem de saúde; a doença mais grave que tive foi uma tuberculose em 1983. De repente, perdi minhas forças, dependia de cadeira de rodas e da ajuda da família para tudo”, falou Aluce.

Em Campina Grande, Aluce foi internado em uma clínica particular, passou por consultas com neurologistas, por diversos exames, mas a doença continuou um mistério. Os médicos levantaram hipóteses de problemas relacionados à tuberculose, hanseníase ou Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA).

“Com o diagnóstico de ELA, tive um choque. Fiquei bastante depressivo. Disseram que faltava vitamina B-12 no meu organismo e tomei essa vitamina por dois meses. Nesse tempo, não conseguia mais me levantar da cama, dependia da família para tudo. Iniciei seções de fisioterapia e comecei a evoluir. Andei com andajá para adultos e fui me recuperando. Da mesma forma que adoeci rapidamente, a recuperação veio de forma rápida também”, falou Aluce.

Foi com um dos exames feitos em Campina Grande que veio o diagnóstico de Guillain-Barré. Porém, a doença que acometia Aluce Nóbrega só foi descoberta já na recuperação.

“Fiquei recuperado em fevereiro deste ano, que foi quando saiu o diagnóstico da Guillain-Barré. Os médicos disseram que a que eu tive não foi tão forte, mas tive medo de morrer. Como sequela, fiquei com uma dormência nos pés. É um tratamento caro, mas tive determinação para vencer a síndrome. As pessoas com a síndrome não devem se desesperar, elas devem ir em frente com o tratamento e batalhar para vencer a doença”, concluiu Aluce Nóbrega.

Jovem perdeu movimentos

Paulista, 30 anos de idade e morador do município de Sumaré, no interior de São Paulo. Esse é Rogério Eisinger, que contraiu a Guillain-Barré em 2010.

Na época, Rogério fazia sapateado e contou que teve uma infecção intestinal durante alguns dias, mas disse que não procurou ajuda médica, pois pensava que o problema passaria rapidamente.

“Tive a infecção em março de 2010. Não dei importância em ir ao hospital, mas passaram-se alguns dias e piorei. Procurei o hospital e eles disseram que meu problema era stress. Tomava soro e voltava bem para casa, mas algumas horas depois me sentia mal de novo. Comecei a sentir fraqueza nas pernas, ficar com a visão turva no olho esquerdo e perder o paladar. Não conseguia mais fazer os movimentos do sapateado”, disse Rogério.

Em uma segunda-feira, Rogério decidiu parar as aulas de sapateado, pois não suportava as dores nas pernas. Dois dias depois, ele começou a apresentar quadros de vômito e, após mais um dia, perdeu a visão do olho esquerdo. Rogério relatou que terminou sofrendo uma queda, por conta da fraqueza, e, no outro dia, não conseguia mais ficar em pé.

“Tive essas pioras e no depois comecei a perder todo o equilíbrio do meu corpo. Fiquei sem poder trabalhar e procurei um neurologista. Em uma clínica, dentro de um elevador, acabei conhecendo uma mulher, que era secretária de um médico professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC), e ela me indicou passar por lá e tentar ajuda com esse médico”, contou Rogério.

Foi durante as consultas com o médico professor da PUC que Rogério recebeu a notícia que estava com a Guillain-Barré e de que tinha apenas mais cinco dias de vida caso não fosse internado.

“O diagnóstico veio após realização de exames de reflexo e de retirada de líquido da coluna (exame do líquido cefalorraquidiano). Com estes exames, ele me diagnosticou e disse, para minha surpresa, que eu tinha apenas mais cinco dias de vida se não fosse internado urgentemente”, falou Rogério.

Cerca de dois dias após a internação, Rogério perdeu o movimento de todo o corpo e teve paralisia facial de 100%. Passou por mais exames e iniciou o acompanhamento com imunoglobulina, que é o tratamento indicado para pacientes de Guillain-Barré.

Durante o tratamento, Rogério contou que chegou a perder 20 kg. Ele teve que ser liberado do hospital após 16 dias de internação por ter contraído uma infecção urinária.

“Tive alta forçada, porque a infecção urinária ainda era leve e não trazia riscos, mas meu organismo estava suscetível a infecção hospitalar e, caso eu a contraísse, não teria muitas chances. Então o pessoal do hospital achou por bem que eu fosse para casa”, disse.

Em casa, Rogério passou cinco meses paralisado do pescoço para baixo e teve que ser acompanhado por uma enfermeira, que ele contratou, 24h por dia.

A partir do mês de setembro de 2010, Rogério relatou que começou a recuperar, gradualmente, o movimento das pernas, braços e do tronco do corpo. Nesse tempo, ele iniciou tratamento de fisioterapia, fonoaudiologia, hidroginástica, terapia ocupacional e, posteriormente, academia, par ajudar na recuperação e no ganho de força muscular.

“Iniciei também um processo para alcançar três objetivos na minha vida; o primeiro deles era o de voltar a andar no meu aniversário, que é em outubro; voltar a me apresentar no sapateado, que foi em 2010; e desfilar na Mocidade Alegre (escola de samba de São Paulo), no carnaval de 2011. No meu aniversário, eu estava andando de andador, me apresentei de cadeira de rodas no sapateado e desfilei na Mocidade. Consegui meus objetivos na época”, revelou Rogério.

Sobre a doença, Rogério fala que teve medo de morrer, mas que a força de vontade deve prevalecer nas pessoas que são acometidas pela Guillain-Barré.

“Tive medo de morrer. Os médicos não conseguiram identificar a bactéria ou vírus que ajudou a desencadear a síndrome. Após a recuperação, ainda ficamos receosos de voltar às atividades normais, com medo de ter uma recaída. O tratamento é longo, precisamos de força de vontade e superação para vencer. Falo para todo mundo que a doença passa, basta acreditar que vai dar certo. Não é do dia para a noite que se recupera os movimentos. [O tratamento] é doloroso, difícil e precisa de muita paciência”, concluiu Rogério Eisinger.

Paraibana que mora no Sul também teve a doença

Maria do Socorro Araújo é paraibana, mas mora atualmente no estado de Santa Catarina, na Região Sul do Brasil. Aos 36 anos, Maria do Socorro teve a Síndrome de Guillain-Barré em 2013.

“Aconteceu quando eu morava em Guaramirim, também em Santa Catarina, em maio de 2013. Tudo começou com formigamentos que eu sentia na planta dos meus pés. Pouco tempo depois, esse formigamento foi subindo pelo corpo até atingir os meus joelhos. Os sintomas foram parar na cintura e comecei a ter câimbras muito fortes nas pernas, e tive até a sensação de bichos dentro das pernas de tanto que formigava e doía”, disse Maria do Socorro.

Após os sintomas iniciais, Maria contou que não conseguia mais ficar de pé por muito tempo e, com a fraqueza, os joelhos dobravam, ocasionando quedas.

Em Santa Catarina, Maria do Socorro passou por 11 médicos, tanto em hospitais públicos como particulares, mas em todos eles o diagnóstico era de problemas na tireoide, no nervo ciático, na coluna, colesterol ou virose.

“Com isso, cada vez mais eu piorava. Comecei a ter dificuldades nas mãos, sem conseguir me alimentar direito, e com formigamento nos lábios. Fiquei um mês doente, sem saber o que tinha e fui parar em uma cadeira de rodas, já que não conseguia mais movimentar as pernas. Nesse tempo, comecei a relatar os meus sintomas para uma tia minha que mora em Campina Grande e trabalha na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Ela tem amigos lá e, durante uma conversa, esses amigos relataram que meus sintomas eram parecidos com os de pacientes com a Síndrome de Guillain-Barré. Minha tia pesquisou sobre a doença e falou com o meu marido dizendo que devíamos ir para Campina e verificar meu estado de saúde”, falou Maria.

Até a ida para Campina Grande, Maria do Socorro contou que tinha apenas a suspeita de que, de fato, estava com a síndrome.

Em Campina, Maria foi atendida no Hospital Universitário Alcides Carneiro (HU-UFCG), onde foi examinada por um neurologista, que realizou um exame de ressonância magnética de crânio, mas nada anormal havia sido constatado.

“Como a ressonância não deu em nada, o médico pediu outro exame, que foi onde a síndrome foi diagnosticada. No exame ficou constatado também que a síndrome estava em regressão. Mesmo assim, fiquei dois meses fazendo tratamento de fisioterapia, tendo uma boa alimentação e após seis meses já não sentia mais nenhum vestígio da Guillain-Barré”, contou Maria.

Antes do tratamento, Maria do Socorro contou que teve medo de morrer e fez recomendações para o marido.

“Tive muito medo de morrer, tanto que fiz recomendações para meu marido, pedi perdão pelos meus pecados e cheguei a me despedir de algumas pessoas. Foi tudo muito difícil, mas estou bem, tive muita força de vontade e voltei a fazer todas as minhas atividades normalmente”, disse Maria do Socorro Araújo.

A doença e o tratamento

Segundo o infectologista Rodolpho Dantas, a Guillain-Barré é uma síndrome que pode ocorrer após qualquer doença infecciosa, mas tem maior frequência em pacientes que apresentam infecções intestinais.

“Acontece mais comumente com uma infecção intestinal por uma bactéria chamada campylobacter jejuni, que é uma bactéria presente em comidas contaminadas, como carne de frango, ovo, ou maionese estragada. É uma dessas diarreias comuns, mas o que chama atenção é que ela causa também bastante dor do lado direito do abdômen, que simula até uma apendicite”, contou o infectologista.

Dentro do organismo, as bactérias passam a tentar fugir do sistema imunológico, simulando componentes do sistema nervoso. Com isso, o corpo cria anticorpos contra essas bactérias, mas acaba atacando também o sistema nervoso.

“Se você pensar que os neurônios são como fios, os fios maiores são os mais fáceis de serem lesionados por esses anticorpos. O maior neurônio que a gente tem é o que liga a nossa cabeça ao pé. Então os sintomas começam a ser sentidos na ponta dos pés, na ponta das mãos, até a perda de força. A pessoa vai sentir essa perda progressiva ao longo de mais ou menos duas semanas, ficando cada vez mais fraca. Essa perda de força pode ficar só no pé ou subir do pé para o joelho, do joelho para a cintura, da cintura para a barriga e da barriga pode alterar a parte respiratória, fazendo com que a pessoa deixe de respirar, tendo complicações. E é isso que mata nessa síndrome”, afirmou Rodolpho Dantas.

Mesmo em casos que se agravem ou o paciente tenha medo de morrer, segundo Rodolpho Dantas, dados de pesquisas internacionais mostram que a taxa de mortalidade da Guillain-Barré é de 2% a 12% dos casos, variando conforme a idade e complicações de outras doenças nos pacientes.

“Mortes acontecem, principalmente por causa de complicações de outras doenças, como em pacientes que já tem problemas renais podem acontecer casos fatais dessa doença. A mortalidade varia de acordo com a idade do paciente, sendo menor que 1% em pessoas abaixo dos 15 anos de idade e de 8,6% em pessoas acima dos 65 anos”, frisou o infectologista.

De acordo com o infectologista, os hospitais que recebam casos de Guillain-Barré não necessitam de uma estrutura especial, mas uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é essencial.

“O manejo da doença é fácil e a cura é a regra para os pacientes. O tratamento mais comum é feito com uma medicação chamada imunoglobulina. É um tratamento de fácil aplicação na veia do paciente, mas tem custo elevado. O segundo tratamento se chama plasmaferese, feita em uma máquina semelhante a de hemodiálise, que filtra os anticorpos ‘nocivos’ que causam a síndrome. O período de recuperação varia de semanas há anos, mas algumas pessoas podem ficar com sequelas permanentes, mas isso é raro de acontecer”, contou Rodolpho Dantas.

Com relação a sequelas, Rodolpho Dantas falou que elas estão presentes em até 20% dos pacientes da Guillain-Barré.

“Sequelas leves são presentes em 20% dos pacientes e as mais graves atingem 10% das pessoas afetadas pela síndrome. Essas sequelas vão desde ‘pé caído’, paralisia facial ou a paraplegia. Barré ainda continua sendo uma complicação muito rara, o problema é que, com tantos casos de zika, aumentam a chance de ter casos como esses”, concluiu Rodolpho Dantas.

O Ministério da Saúde informou que a rede pública do Sistema Único de Saúde (SUS) oferece de forma gratuita 35 procedimentos para tratamento de Guillain-Barré. Nessa relação, há procedimentos diagnósticos, clínicos, cirúrgicos, de reabilitação e os medicamentos necessários.

Dados

Segundo a Secretaria de Estadual de Saúde (SES), dados do Sistema de Informação Hospitalar (SIH) registram que, em 2015, na Paraíba, seis casos foram confirmados de Guillain-Barré, com dois óbitos.

Ainda segundo a SES, os óbitos confirmados ocorreram em pacientes das cidades de Cajazeiras, no Sertão paraibano, a 487 km de João Pessoa, e em Caaporã, na Zona da Mata paraibana, a 60 km da Capital.

No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, apenas em 2014, foram registrados 65.884 mil procedimentos ambulatoriais e hospitalares no SUS em decorrência de Guillain-Barré.

Ainda conforme o Ministério da Saúde, a Bahia é o estado que mais registrou casos da Guillain-Barré em 2015, com 42 confirmados até o início de julho. Dos 42 casos, 26 eram suspeitos de zika vírus antes de serem diagnosticados como Guillain-Barré.

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