Da brincadeira de apostar corrida ao alto do pódio dos Jogos Paralímpicos e do Mundial. Medalha de ouro no peito, recordes nos 100 e 200 metros da classe T46/47, mas principalmente a chance de mudar a história da família no sertão paraibano. O atletismo foi uma chance que Petrúcio Ferreira agarrou com as duas mãos, “mesmo só tendo uma”, como ele próprio faz piada com o acidente que teve ainda criança.
O menino arteiro de São José do Brejo do Cruz, a 400 km da capital João Pessoa, já havia vencido a infância humilde na roça para triunfar no futsal. Os dribles e gols de uma carreira promissora só não chamaram mais a atenção dos técnicos Ricardo Ambrósio e Pedro Almeida que a velocidade natural do garoto então de 13 anos. A formação tardia para o atletismo faz ainda hoje uma das estrelas do esporte brasileiro acreditar que basta sair correndo para chegar na frente dos adversários.
A primeira competição foi ainda em ambiente escolar, em Catolé do Rocha, também na Paraíba. De lá foi convidado para disputar um torneio na capital, depois para a seleção brasileira, para o Para-Pan… Paralimpíadas, Mundial e hoje lá se vão três medalhas na Rio 2016 e duas em Londres 2017. Mais do que isso, uma oportunidade para esquecer o futebol e se dedicar totalmente ao atletismo.
“Sei que foi através do atletismo que pude dar condições melhores para os meus pais. Hoje, se entro na pista é porque tenho alegria e amor naquilo que eu faço que é brincar de apostar corrida”, disse Petrúcio, em entrevista no Pinheiros, clube dez vezes mais associados que os 1.780 habitantes da sua cidade-natal.
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Mesmo com tanta superação, até hoje os mais críticos teimam em dizer que é “só uma mão que falta”. Segundo a lógica desses, a ausência de um membro em nada afetaria o equilíbrio, por exemplo, isso para ficar somente nos aspectos da corrida, descontadas as dificuldades mais naturais do dia-a-dia. Até para o absurdo, o rapaz de 21 anos de uma resposta.
“Algumas pessoas chegam a falar: ‘você tem as pernas normais, só falta uma mão’. Mas não é simples assim. Às vezes nem respondo e proponho o desafio: ‘amarra uma das mãos e tenta correr’. Você vai ver a dificuldade que você vai ter e talvez até caia”, explicou Petrúcio.
Perto dos olímpicos
Os tempos de Petrúcio são tão assombrosos para as Paralimpíadas que, vira e mexe, sempre são comparados com as marcas obtidas nas Olimpíadas. O 10s53 nos 100m, seguido pelos 21s21 nos 200m o dariam as medalhas de ouro na prova feminina da Rio 2016. A jamaicana Elaine Thompson é campeã (10s71 e 21s78) das duas provas. Entre os homens, as marcas são mais bem divididas entre inúmeros atletas. Petrúcio ainda estaria longe, por exemplo, de alcançar o lendário Usain Bolt (9s58 e 19s19).
Bem por isso, o objetivo talvez não seja exatamente seguir os passos de outros atletas paraolímpicos e competir com os olímpicos, mas chegar perto deles. A intensão é primordialmente correr mais próximo da casa dos 10 segundos. Ainda assim, o próprio velocista faz questão de deixar claro que está aberto a quaisquer possibilidades. Para isso, sabe que ainda pode melhorar na largada (hoje com auxílio de um apoio prolongador) e melhorar justamente o equilíbrio.
“Baixar de 10s, chegar na casa dos 9s, é um pouco complicado. A gente fala em segundos, mas para tirar segundos em uma prova de 100m é muito difícil”, revelou o atleta. “Já cheguei a comparar alguns resultados, sim. É legal para mostrar que não é por causa de uma deficiência que você está impossibilitado de conseguir alguma coisa. Estou conseguindo mostrar que, mesmo com a deficiência, posso chegar a correr como alguns atletas convencionais. Impossibilita de fazer algumas coisas, mas permite que você mostre que é preciso acreditar.”