Ter um cachorro para chamar de seu na Alemanha custa dinheiro não apenas pelas despesas inerentes à criação, como comida e veterinário, mas também porque implica pagar imposto. Em Berlim, EUR 120 anuais (R$ 740). Se forem dois cachorros, outros EUR 180 (R$ 1.100). Se o peludo for de uma raça considerada perigosa, mais ainda.
Soa como curiosidade apenas até as contas serem feitas. Com uma população canina estimada em 10 milhões de animais, a Alemanha obteve uma tributação recorde com o sistema em 2023, EUR 421 milhões (R$ 2,6 bilhões), e caminha para meio bilhão neste exercício se a tendência dos últimos anos for seguida. Segundo o jornal econômico Les Échos, um invejável meio de arrecadação, que nos últimos dez anos cresceu mais de 40%.
O dado fez um conhecido comentarista de finanças da França sugerir ao primeiro-ministro Michel Barnier adotar o sistema como forma de aplacar seu complicado Orçamento para 2025. A França deve fechar o ano com um déficit de 6% do PIB, acima das previsões, e tem a dívida mais alta da Europa depois de Grécia e Itália.
Não seria exatamente uma novidade. A estratégia teria começado há séculos justamente na França, com Napoleão, em uma tentativa de controlar um surto de raiva. Outros países, como Luxemburgo, Holanda e Suíça, também taxam a posse de alguns animais, mas não na proporção e organização alemãs.
Saúde pública é o principal argumento para a tributação. O imposto, segundo a prefeitura de Berlim, sustenta um abrangente controle de cachorros e proprietários (por razões fiscais ou não, na Alemanha tem-se um cachorro, diferentemente do Brasil em que o termo tutor virou norma). É uma taxação municipal, e a de Berlim, ainda que não seja a mais alta do país, tem um dos sistemas mais completos.
Todo animal nascido na cidade ou trazido para ela precisa obrigatoriamente ser identificado por um chip ou transponder. Só com ele é possível fazer um registro online do animal, que custa EUR 17,50 (R$ 108). Depois de três ou quatro semanas, o Fisco manda o resto da conta. O intuito, segundo a prefeitura, é seguir a “Lei Fiscal sobre Cães”, de 2001, que basicamente determina a necessidade de “identificá-los, para determinar o dono de um cão e, no caso de cães vadios, para determinar o último dono”.
A multa para quem não fizer o registro pode chegar a EUR 10 mil (R$ 62 mil).
O resultado prático da medida é que não há animal abandonado ou vadio na cidade, pelo menos não em número perceptível. O sistema também facilita a fiscalização sobre o porte dos cães, igualmente abrangente. O cidadão pode ser multado, por exemplo, se não recolher as fezes de seu cachorro no passeio público e também se não tiver saquinhos consigo para recolhê-las. O esquecimento pode custar de EUR 35 a EUR 250 (de R$ 216 a R$ 1.500).
Costume arraigado entre os alemães, andar com o cachorro sem guia só é permitido para quem faz uma espécie de curso de treinamento e demonstra, em prova prática, que tem controle sobre seu bicho. Algumas cidades inclusive dão desconto no imposto, que é de caráter municipal na Alemanha, para quem busca a formação.
Há também uma lista de raças perigosas, como bull terrier, mastim napolitano e fila brasileiro, que exige ainda mais do bolso. Em Hamburgo, em que a taxa básica é de EUR 90 (R$ 550), nesses casos dispara para -EUR 600 (R$ 3.700). Também o seguro para acidentes fica mais caro -contratar uma apólice que cubra danos ou ataques provocados pelos cães também está previsto em lei.
“Já fui multada por estar com ela solta. Existe uma espécie de polícia municipal por aqui [Ordnungsamt] que sempre aparece do nada. Paguei EUR 50”, conta a professora universitária Babbete T., que concorda com a cobrança de impostos, ao lado da vira-lata Luca. “Existe uma estrutura na cidade para usufruirmos com os animais, latas de lixo, limpeza, fiscalização. Isso tudo tem custo, parece justo dividi-lo.”
Luca veio da Itália, de um centro de acolhimento de animais abandonados. “É a história de muitos cachorros aqui. Boa parte vem do Leste Europeu.” Para olhos brasileiros, porém, o que chama a atenção é a a quantidade e variedade de animais de raça.
Com ou sem pedigree, cachorros parecem estar por toda a parte em Berlim, não apenas em parques, mas também em shoppings, cafés, restaurantes e no transporte público, em que pagam passagem. Vários estabelecimentos se esforçam na recepção, ofertando água e petiscos.
E, como o mundo é dividido entre os que gostam de cachorros e os que preferem gatos, vale a informação: os últimos não são tributados.
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