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Aqui jaz

Aqui jaz

 

O tempo geológico nos resume a nada. A “casa” tem 4,6 bilhões de anos; os moradores a ocupam há menos de 200 mil anos.

Uma analogia mostra bem a distância que nos separa: se a história do planeta fosse resumida a 24 horas, os hominídeos teriam aparecido nos últimos três segundos desse dia.

Mas que três segundos impactantes!

Nunca uma espécie agrediu tanto o planeta. Nossa ocupação atabalhoada tem até abreviado as respostas da natureza.

Situações que demandariam eras geológicas para sofrer modificações, hoje podem ser testemunhadas até pelas mais ordinárias e breves das existências humanas.

Sou exemplo disso. Quando cheguei aqui há 45 anos, encontrei um Cabo Branco que já não existe mais. As falésias que derretem diante de nossos olhos tinham pelo menos mais cem metros de platô. Ou seja: o ponto mais oriental das Américas era muito mais extremo.

Verdade que a erosão é uma condenação que a natureza impõe às falésias. No encontro abrupto entre terra e mar, o segundo sempre leva a melhor.

Mas, ao invés de acelerarmos esta antropofagia geológica (e efetivamente estamos fazendo, a partir do solo, com intromissão violenta e ininterrupta) poderíamos interferir para amenizar a ação erosiva natural.

Como podemos assistir de forma tão passiva a destruição de um dos nossos mais importantes patrimônios naturais?

Nossas respostas têm sido pífias.

O Grupo Amigos da Barreira é testemunha disso. Eles travam uma luta quase solitária para tentar evitar que o Cabo Branco tenha destino idêntico ao das falésias da costa europeia que ilustram (abaixo) a edição de hoje da coluna.

Ganharam, porém, mais um adepto. Há dias ensaiando escrever sobre o tema, os encontrei em mais uma daquelas convergências do destino.

Não quero testemunhar o sumiço do Cabo Branco.

Precisamos agir.

Se há pontos pacíficos nesta guerra é que a salvação da falésia passa por soluções técnicas. E elas são sortidas, disponíveis em laboratórios espalhados mundo afora que têm foco exclusivo nos estudos das correntes marinhas e contenção de encostas litorâneas.

Outro ponto já pacificado é que, sozinho, nem Estado nem Município têm condições de cuidar do Cabo Branco.

O ponto mais oriental do País é um problema do País. Precisa, portanto, da solidariedade dos cofres da União. E deve ser tratado como questão nacional – uma bandeira da nação.

A boa notícia é que, sim, ainda podemos salvar a barreira. Basta, para isso, que a gente coloque em ação duas atitudes: não agredi-la por cima e defendê-la por baixo.

O contrário – a ocupação em solo e a omissão em relação a agressão do mar – viabilizará a construção, dia após dia, da lápide da barreira do Cabo Branco.

Às futuras gerações, estamos legando o epitáfio.

E tudo o que eles verão é um melancólico “aqui jaz o ponto mais oriental das Américas”.

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