Pelo menos 95 pessoas morreram em um ataque terrorista no Irã nesta quarta (3), elevando ainda mais a tensão no Oriente Médio e o risco de um alastramento regional da guerra entre Israel e seus adversários, ora focada no embate entre Tel Aviv e o grupo palestino Hamas.
A ação mirou uma cerimônia que marcava os quatro anos do assassinato pelos Estados Unidos do principal general iraniano, Qassim Suleimani, morto ao ser alvejado por um drone no aeroporto de Bagdá. Pelo menos 211 pessoas ficaram feridas.
Segundo a agência Tasnim, ligada à Guarda Revolucionária do Irã, duas bombas escondidas em pastas foram detonadas por controle remoto, uma a cerca de 700 metros do túmulo de Suleimani e outra, a quase 1 km, no cemitério de Kerman (820 km a sudeste de Teerã). Inicialmente, a contagem era de 73 mortos, depois passou a 103, mas foi refeita.
Ainda não houve acusação contra Israel ou contra os EUA pelo provocativo incidente, o qual não teve autoria reivindicada -há diversos grupos contrários a Teerã em operação no país. De lados opostos, o aliado do Irã Vladimir Putin e a adversária União Europeia condenaram a ação.
Suleimani, que era chefe da força de elite Quds, é um herói nacional. Foi um dos principais artífices da expansão militar do Irã por meio de prepostos no Oriente Médio, notadamente o Hezbollah libanês, o Hamas palestino e os rebeldes houthis do Iêmen.
Com efeito, as forças ensaiam uma ordem unida, dissuadida até aqui devido à forte presença militar americana para proteger a guerra que Israel trava contra o Hamas na Faixa de Gaza, iniciada após o grupo terrorista atacar o país e deixar 1.200 mortos em 7 de outubro.
O atentado ocorre um dia depois de Israel matar em Beirute um líder do Hamas, Saleh al-Arouri. Foi a mais importante ação de Tel Aviv fora de suas fronteiras desde o início da guerra, ainda mais no quintal do Hezbollah.
A provocação dupla, para a qual Israel diz estar preparado para reagir de qualquer forma, levou o líder do grupo fundamentalista libanês, xeque Hassan Nasrallah, a fazer um raro pronunciamento em TV, o segundo desde o início do conflito.
Segundo ele, a morte de de Arouri foi um “grande, perigoso crime sobre o qual não podemos silenciar”, mas ficou nisso -voltou a advertir Israel de que uma guerra contra o bem armado grupo que lidera seria desastrosa para o Estado judeu.
Até aqui, o Hezbollah tem falado grosso, mas agido de forma comedida, assim como o Irã. O grupo tem trocado fogo com os israelenses diariamente e se orgulha de ter comprometido talvez um terço das forças do rival na frente norte, mas não escalou a guerra -o último combate aberto entre ambos os lados ocorreu em 2006.
Isso ocorre por diversos motivos: a presença ostensiva de dois grupos de porta-aviões em prontidão na região, o temor de perda de apoio popular numa guerra que não é bem vista pelos libaneses e porque o Irã, patrono do Hezbollah, também não deseja um conflito generalizado que abale ainda mais sua economia.
Tudo isso, claro, pode mudar numa fração de segundo. Enquanto isso, a rotina de escaramuças seguiu no norte israelense, com dois soldados feridos por mísseis antitanque lançados pelo Hezbollah, evento seguido pela retaliação de praxe de Tel Aviv.
No Telegram, o Hamas disse que a morte de seu líder em Beirute “prova que o inimigo é um perigo para a nação” e afirmou que o assassinato, por um ataque com drone, apenas “aumenta sua determinação em lutar”. Arouri era o número 2 da ala política do grupo terrorista.
Em Gaza, as operações continuam, apesar da redução de contingente determinada pelo governo de Binyamin Netanyahu. A retaliação israelense no território palestino já matou mais de 22 mil pessoas e disparou uma crise humanitária inaudita na região.
Ainda não se sabe o plano de Israel, mas relatos na imprensa do país sugerem que pode haver um deslocamento de efetivo para o norte, visando selar de vez o sul libanês e retirar o Hezbollah para os limites da fronteira determinada em 2000 pelas Nações Unidas.
Se isso ocorrer, a ideia de escalada ganha força, a depender da reação do grupo xiita. Na outra frente secundária da guerra, mas talvez a mais importante hoje em termos de impacto mundial, os houthis voltaram a alvejar navios de carga no mar Vermelho, mas não os atingiram.
A ação mudou radicalmente o caminho do transporte marítimo no globo, do qual 15% passa pela região. Transportadoras passaram a fazer rotas mais longas, contornando a África, para ligar a Europa ao Oriente Médio e à Ásia.
Os EUA criaram uma força-tarefa, baseada em ativos já presentes na região contra piratas, para tentar coibir os ataques. No domingo (31), afundaram pela primeira vez lanchas de ataque houthis, levando à questão se o país de Joe Biden irá escalar sua ação e bombardear bases dos rebeldes aliados do Irã, que travam uma guerra civil desde 2014 no Iêmen.