Já deve ter acontecido com você:
A conversa é boa e os argumentos parecem justos. Mas talvez pelo desencontro proposital do olhar ou mesmo pelo enredo enfeitado demais, daqueles que parecem ter sido ensaiados várias vezes, a luz vermelha instintivamente acende.
Sim, você acabou de conhecer uma pessoa com (no mínimo) um caráter frouxo.
E, mais dia menos dia, o instinto vai provar que você estava certo – naquele exato instante em que as deficiências morais serão definitivamente expostas. E elas sempre são.
Dou esse testemunho com a propriedade de quem, ao longo desses 70 anos, deu crédito generoso a pessoas que exibiam (ainda que de forma dissimulada) alguns traços de mau-caratismo.
Sempre, de alguma forma, e em diversos níveis, me decepcionei.
Essas experiências poderiam ter me preparado para outro estágio dessa inconsistência de atitudes:
A completa – zerada mesmo – ausência de caráter.
Verdade que eu, por pura proteção divina, tenho sido em larga medida poupado desse desgosto.
O mau-caratismo ou sua versão hard core manifesta pela ausência total dos valores morais batem (graças a Deus) de forma esporádica à minha porta.
Infelizmente, sei que não se trata de um fenômeno muito raro nas nossas selvas de pedras pós-modernas lotadas por hordas polidamente selvagens.
Agrupamentos formados por indivíduos que, por circunstâncias diversas, zeraram ou nasceram zerados de qualquer estoque particular de coerência ou valores – contaminando os 360 graus de sua existência e levando a capacidade de praticar o mal ao último estágio:
Aquele sem filtros; sem meã culpas.
Por não terem sequer um volume morto de formação moral, praticam seus malfeitos de forma absolutamente natural – como se tivessem desenvolvido um metabolismo psicológico distinto.
Não carecem sequer de praticar o autoengano – aquelas mentiras que contamos a nós mesmos para sobrevivermos a essa experiência dantesca que chamamos de vida.
De fato, maus-caracteres não se preocupam com disfarces.
Também não remoem seus erros e golpes no travesseiro.
E não têm empatia pelo próximo nem se compadecem das pessoas que danificam.
Muito pelo contrário.
Eles se congratulam por suas façanhas; comemoram o sucesso de suas empreitadas do mal.
Repito: essa casta não pode ser confundida com aquelas que exibem desequilíbrio de caráter.
Porque não se trata de uma peça quebrada ou de um elemento fora de lugar. Se trata – insisto – da completa ausência de caráter.
Nestas circunstâncias, o limite é a criatividade.
E se você é daqueles que pensa e acredita que um dia a coisa fede e incomoda, esqueça. O chorume da imoralidade é inodoro aos desprovidos de caráter.
Certo está o ditado popular (com toda a sabedoria forjada e testada pelo tempo) que nos adverte: pau que nasce torto morrerá sempre torto – mesmo que passe toda a existência camuflando sua tortuosidade.