Que atire a primeira pedra quem nunca trocou mensagens enquanto o celular estava conectado ao carregador. Que denuncie-se quem nunca falou ao telefone enquanto o mesmo estava plugado à tomada. Muito provavelmente você já deitou na cama e usou seu aparelho enquanto ele carregava. O que talvez você não saiba é que oito pessoas já morreram apenas este ano em decorrência deste hábito tão comum entre os brasileiros.
Para entender melhor como funciona um carregador de celular e por que tantas pessoas estão morrendo em decorrência desse hábito, conversamos com o professor de eletrônica da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Euler Macedo, que mostrou, de maneira prática, como funciona o carregador de celular, e como ele pode causar um acidente.
“O carregador do celular é um conversor de energia. Ele converte os 220 volts que vêm da tomada para o celular, que utiliza uma baixa tensão, de 5 volts, por exemplo. Dentro dele tem um circuito eletrônico que realiza esse processo. Porém, quando acontece algum problema nesse circuito, os 220 volts são transferidos diretamente para o celular e consequentemente para o usuário”. Mas o que pode causar uma falha no circuito eletrônico do celular?
Soa óbvio dizer que produtos falsificados podem não funcionar adequadamente depois de algum tempo, contudo, quando se trata de um carregador de celular, a atenção precisa ser redobrada. Isso porque, na maioria dos casos de acidentes com fontes de celular, os produtos não eram originais. “Para baratear custos, as pessoas acabam utilizando equipamentos de qualidade secundária, que funcionam só por determinado tempo e depois causam falhas. Então se o circuito parar de funcionar, o acidente acontece”, disse o professor Euler.
O Brasil é conhecido como o país das desigualdades e quando se trata de eletricidade, isso não é diferente. Enquanto as modernas usinas hidrelétricas de Itaipu e Belo Monte estão entre as maiores do mundo e chegam a produzir até 25.223 megawatts de potência, muitas casas pelo Brasil não têm acesso à energia elétrica ou dispõem de instalações elétricas precárias e irregulares.
Contudo, a desigualdade não é o único agravante para a situação das instalações nas casas tupiniquins; o perfil do brasileiro contribui para que acidentes aconteçam, como explica o professor.
“O brasileiro tem perfil de ser construtor, arquiteto e engenheiro, achando que é simples. A eletricidade não tem cor, cheiro ou forma e isso passa uma sensação de segurança”
(Euler Macedo, professor da UFPB)
O perito do Núcleo de Engenharia Forense do Instituto de Polícia Científica da Paraíba (IPC-PB), Sérgio Maia, confirma a teoria do professor, afirmando que muitas vezes o que causa a morte nos acidentes com celulares é justamente a instalação elétrica das residências.
“Quando um especialista avalia um acidente de eletroplessão com suspeita de ter sido motivada pelo celular, antes de mais nada, ele analisa a instalação elétrica residencial, que quase sempre figura como protagonista dos acidentes. Instalações mal feitas ou com ausência de manutenção podem provocar fugas de corrente para os equipamentos ou para suportes que conduzam a corrente, a exemplo de mesas e estruturas metálicas”, explica o perito.
Como provavelmente você já sabe, a água e a eletricidade causam uma mistura ‘de arrepiar os cabelos’. Dos oito casos de morte no ano de 2018, chovia em metade dos ocorridos. O professor Euler explica que em casas mais simples e construídas de maneira precária, as infiltrações podem fazer com que a água da chuva chegue até as instalações elétricas e provoque os acidentes.
Um dos casos de óbito envolveu o adolescente Douglas Raphael, de 14 anos, na cidade de Garanhuns, em Pernambuco. A vítima havia acabado de sair do banho e entrou em contato com o celular que carregava. Segundo o engenheiro Sérgio Maia, as chances de sofrer um choque quando se está molhado aumenta até 100 vezes.
“A resistência elétrica do corpo humano é de, aproximadamente, 100 mil Ohms. Se o corpo humano estiver úmido, essa resistência pode ser reduzida 10 vezes, caindo para 10 mil Ohms. Se estiver molhado, reduz em 100 vezes, caindo para 1 mil Ohms”, explica.
De modo objetivo, se o corpo humano estiver úmido, ele fica 10 vezes mais suscetível a um choque elétrico. Se estiver molhado, as chances aumentam 100 vezes”
(Sérgio Maia, engenheiro perito do IPC-PB)
A estudante Larissa Lira, de 26 anos, poderia ter entrado no infográfico (que está abaixo) como mais uma vítima dos acidentes com celular, contudo, ela teve apenas ferimentos leves após o celular explodir na cama. “O celular estava carregando e eu estava mexendo nele, em cima da cama. Quando parei, deixei ele do meu lado e ouvi um barulho de faísca. Quando toquei, ele estava tão quente que eu só toquei e ele explodiu. Explodiu literalmente. A bateria do celular entrou no meu colchão e queimou uma parte do travesseiro e minha mão”, relata Larissa.
A experiência negativa serviu para alertar a estudante, que, hoje em dia, prefere não mexer no celular enquanto ele está plugado à tomada. “O acidente me fez repensar. Hoje em dia eu não o utilizo mais enquanto carrega. Se ele tivesse explodido minutos antes poderia ter sido no meu rosto ou nas minhas mãos”, conclui.
O especialista do IPC-PB, Sérgio Maia, orienta a população sobre a importância do disjuntor residual, que pode evitar muitos acidentes. O aparelho, que deveria existir em toda residência com fluxo de energia elétrica, suspende a eletricidade impedindo a vítima de levar um choque.
“O principal dispositivo de segurança para qualquer instalação elétrica é o disjuntor diferencial residual (DR). O DR suspende o fornecimento de energia elétrica, interrompendo o choque elétrico, com valores baixíssimos de fuga de corrente, sem mencionar que sua atuação ocorre em fração de segundo, tornando-o bastante eficiente. É tão instantâneo que a vítima mal percebe que sofreu uma milionésima descarga elétrica, não sofrendo nenhuma consequência”, explica o perito.
O infográfico abaixo mostra detalhes dos casos de acidentes fatais envolvendo carregadores e celulares. Em todos os casos, há algo em comum: famílias de baixa renda. Esse fato apenas corrobora com as opiniões dos dois especialistas entrevistados nesta reportagem. São necessárias, de maneira urgente, medidas públicas para averiguar e fiscalizar as instalações elétricas das casas dos brasileiros. Do contrário, mais mortes acontecerão. É preciso um ‘choque de realidade’ para que a população tenha consciência dos perigos da eletricidade. A energia que dá luz é a mesma que pode tirar a vida.