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Coluna do professor Trindade homenageia o jornalista Assis Ângelo

Assis Ângelo

É claro que ele não se lembra de mim. Eu era adolescente, estava no meu primeiro emprego formal e exercíamos a mesma função na Rádio Correio da Paraíba (na época, ainda na Barão do Triunfo): rádio-escuta.

A terminologia para rádio-escuta, na época, era diferente da de hoje. Nosso trabalho era ouvir os noticiários das rádios de fora (geralmente, a Globo), gravar, selecionar as do noticiário geral que interessassem, resumi-las e redigir o “Rádio- Repórter CP”, noticiário que ia ao “ar”, de hora em hora, sempre faltando 5 minutos para a hora inteira. As Notícias daqui eram trazidas pelos repórteres locais (bons tempos, não?).

Viamo-nos pouco, porque trabalhávamos em turnos diferentes; mas, de vez em quando, o avistava. Não me lembro de haver conversado com ele. Primeiro, porque eu era novato na Rádio; depois, porque eu era muito tímido. Ele, cinco anos mais velho, com ar de intelectual, também me parecia meio “fechado”.

Algum tempo depois, soube que houvera ido embora, trabalhar em São Paulo.

Isso atiçou minha esperança. Na época, meu maior sonho era me tornar grande jornalista e ir trabalhar em televisão, no Rio de janeiro.

Alguns anos mais tarde – e, desta feita, muitos anos mesmo! – soube que ele se destacava como jornalista em São Paulo – terra que adotara – e era, inclusive, editor setorial no Estadão.

Tomei-me de alegria.

– Nossa, que coisa maravilhosa: um colega que conheci no meu começo da profissão brilhando em São Paulo…

Assis ganhou destaque, também, como escritor e, ultimamente, cultiva o cordel.

Pois foi com muita alegria, seguida de uma ponta de tristeza, que li uma matéria sobre ele na “Folha de São Paulo” de sábado, 26/12/20. O que se conta na reportagem é, a um só tempo, triste e um exemplo de superação.

O motivo da matéria é o lançamento de 4 cordéis de autoria dele sobre o coronavírus; mas faz um apanhado da trajetória desse grande jornalista paraibano.

Eis, na íntegra, o texto, assinado por Ivan Finotti:

“Após passar a vida inteira estudando a arte popular brasileira, em especial a nordestina, e acumular cerca de 8.000 folhetos de cordel, o jornalista e poeta Assis Ângelo resolveu se aventurar na composição de alguns. Aos 68, Ângelo lançou quatro folhetos neste ano, e todos eles se referindo à epidemia que assola o país.

“Coronavírus: Piolho do Cramunhão Faz o Mundo Todo Tremer”, “Repórter Entrevista Piolho do Cramunhão”, “Serpente Quer Pôr Ovo no Coração do Brasil”, e “Jornalismo e Liberdade nos Tempos de Pandemia” são os quatro títulos escritos.

Cramunhão, para que não está familiarizado, é o Diabo, Satanás, Belzebu, o Capeta, enfim. Ou, em algumas regiões, pode ser um diabinho entregue pelo Diabo para servir determinada pessoa pelo resto da vida. Já piolho do Cramunhão foi a forma que Ângelo encontrou para se referir ao coronavírus.

Na entrevista que dá ao cordelista em um dos folhetos, o piolho fala de suas diabruras: “Quem chora é bicho mole/ Não merece salvação/ Comigo é diferente/ Sou macho sem coração/ Pois eu pego, mato e como/ Como faz bom gavião”.

“Não vi nenhum cordelista fazer algo a respeito”, afirma Ângelo. “Então em março já lancei o primeiro. A cultura popular é a mais importante que existe, é a formação do cidadão.”

Paraibano de João Pessoa, o poeta lembra quando ouvia cordéis ainda menino, nas feiras da cidade. “Os vendedores ficavam recitando as estrofes e, quando chegavam na hora H, eles paravam. Para que as pessoas comprassem para ler o final das histórias. Isso me marcou muito”, conta ele, em seu apartamento nos Campos Elíseos, região central de São Paulo.

Ali, entre os milhares de itens de seu acervo, Ângelo vive em escuridão total e solitária há sete anos. Ele teve deslocamento de retina e perdeu completamente a visão dos dois olhos.

“Não teve pancada nem acidente. Eu estava apresentando um projeto no Rio de Janeiro. Estava no palco lendo um folheto sobre Luiz Gonzaga. No meio, passei a entender menos, parecia que tinham formigas andando nos meus olhos. Quando terminou, comecei a chorar. Estava cego.”

O poeta se consultou com diversos especialistas, fez “sete, oito, nove” cirurgias no Hospital das Clínicas, mas nada foi recuperado. “Dias depois, minha mulher me abandonou”, conta ele.

Ângelo começou a carreira de jornalista ainda na Paraíba, mas desde 1976 está radicado em São Paulo, onde trabalhou como repórter nesta Folha (escreveu na Ilustrada e no Folhetim), no Diário Popular e foi chefe de reportagem política no Estado de S. Paulo. Passou ainda pela rádio Jovem Pan e pelas TVs Globo e Cultura.

Pode-se dizer que São Paulo entrou em seu sangue. Um de seus estudos mais interessantes, fruto de 23 anos de trabalho, foi o “Roteiro Musical da Cidade de São Paulo”. A pesquisa, que resultou numa exposição no Sesc em 2012, reunia 3.000 canções que citam São Paulo ou seus bairros na letra, além de documentos, áudios, partituras, fotografias, matérias de jornais e depoimentos, letras e canções.

Falando em pesquisa, ele gostaria que alguma instituição séria se interessasse por sua coleção. São itens como discos, fitas, jornais etc. sobre a cultura popular brasileira. “Seria ótimo se isso fosse catalogado, digitalizado e ficasse à disposição do público.” Parte desse acervo está no site do Instituto Memória Brasil, que o jornalista mantém.

Além disso, escreve diariamente em seu blog (assisangelo.blogspot.com), com a ajuda de um jornalista recém-formado e de uma estudante de artes plásticas. Ângelo dita os textos por telefone. Volta e meia, recebe a visita de suas filhas.

Com uma memória prodigiosa, ela lamenta não encontrar trabalho após o problema de visão. “Eu fiquei cego, mas são os outros que não me veem. Virei um ser invisível”, diz.

Escuta dois ou três audiolivros por mês, coisas como Guimarães Rosa e Camões (do qual diz saber recitar decorado metade d’“Os Lusíadas”) e Monteiro Lobato (de quem ouvia Jeca Tatu no dia desta entrevista).

“Difícil mesmo é lutar contra a solidão e a depressão”, conta Assis Ângelo, que sonha transformar em realidade a ideia de um programa para cegos, apresentado por um cego. “Será que não interessaria à TV Cultura?”.).

Os cordéis foram publicados pela editora Rouxinol do Rinaré e podem ser adquiridos pelo “e-mail”: [email protected] , ao preço de R$ 12,50 (de 12 a 20 págs.).

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