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Professor Trindade

            Corria o ano de 1976. Eu fazia a última série do 2º grau (hoje, Ensino Médio), no Lyceu Paraibano, quando fomos tomados, de surpresa, por uma notícia pra lá de desagradável; funesta!: O professor Manuel, queridíssimo da gente, a melhor pessoa que já conheci e o maior gestor, idem, diretor do colégio, iria deixar o cargo, devido à posse do novo diretor: Luís Mendes.

            Quem seria Luís Mendes? Perguntávamos.

            Os mais exaltados repetiam:

            – Um agente da repressão; da ditadura. Indicado por Burity.

            Eu, cauteloso como sempre, nesses assuntos de política, preferi esperar conhecer o novo diretor. A fama de Luís Mendes era de durão; intolerante.

            Os meus pares do turno da manhã vociferavam:

            – João, não podemos aceitar um ditador…

            – Calma, pessoal (ponderava eu); nem conhecemos o homem ainda… Deixa ele vir e tomar as atitudes e a gente pensa no que fazer.

            – E se já for tarde?

            – Vocês confiam em mim?

            – Claro.

            – Então, aguardemos.

            Meus “comandados” me obedeceram.

            Digo “comandados” porque eu era um líder             inconteste nas turmas da manhã; tanto que, nas últimas eleições para presidente do Centro Cívico Padre João do Rêgo, ficara em segundo lugar; praticamente só com os votos do turno da manhã, porque, no turno da tarde, eu era um desconhecido; e, no da noite, fui traído por uma pessoa cujo nome não pretendo revelar, mas ainda hoje tem fama de “esquerdista”, embora nunca tenha sido; e todos foram testemunhas de que a urna estava com um fundo falso.

            Nós, da manhã, éramos loucos pelo professor Manuel: uma pessoa fina, delicada; entendia dos problemas do aluno como ninguém… Choramos ao perdê-lo.

            Meus “comandados” da manhã sugeriram um protesto, a exemplo do que fariam os alunos do turno da tarde. Estes iriam colocar uma bomba embaixo da cadeira do Secretário de Educação, Tarcísio de Miranda Burity, e ela explodiria na hora em que o representante do governo começasse o discurso.

            Apesar da oposição e dos protestos, não concordei com a proposta.

            Sugeri, então, o que para mim me parecia a solução mais correta e mais saudável: homenagear professor Manuel, que, afinal de contas, era quem merecia nosso apreço e consideração.

            Na assembleia, houve quem gritasse:

            – Reacionário!

            Não liguei.

            Minha proposta foi aceita e resolvemos fazer uma homenagem a professor Manuel. Ela começaria na frente do Lyceu; iríamos, então, em passeata, arrodearíamos a Lagoa e voltaríamos ao colégio, pacificamente.

            E assim seria feito.

            No entanto, não demorou a aparecer um oficial do Grupamento de Engenharia (nem sei se era oficial; sei que se apresentou com tal) e disse:

            – Está cancelada a passeata.

            – Como? (Perguntei).

            – Está cancelado o protesto.

            – Mas não faremos protesto algum; queremos só fazer uma homenagem ao professor Manuel: um homem que merece nosso maior respeito. Em que uma homenagem ofende o governo e ao exército?

            O cara se convenceu e disse:

            – Tá bem; retira o carro de som e vocês fazem a volta – calados –; não pela Lagoa, mas sim naquele primeiro contorno em direção ao Lyceu(não sei se o contorno ainda existe).

            Assim fizemos.

            Na chegada, houve uma lindahomenagem ao professor Manuel, no auditório, em que pronunciei um dos melhores discursos da minha vida, visivelmente influenciado por um de Ruy Barbosa. Também lhe foi entregue uma pequena placa, mandada confeccionar pelos alunos, em nome das turmas, como forma de agradecimento

            Ao terminar o discurso, fui abordado pelo líder do turno da tarde, de cujo nome não me lembro:

            – Quero seu apoio.

            – Pois não… Para quê?

            -Iremos fazer um protesto à tarde e queremos que você libereo pessoal da manhã para comparecer.

            – Com todo o prazer…

            -Iremos evitar essa posse. Vamos soltar uma bomba embaixo da cadeira de Burity, na hora em que ele começar o discurso.

            – Como é?

            – Vamos soltar uma bomba embaixo da cadeira do Secretário de Educação, que vai ficar ao lado de Luís Mendes; este vai tremer e desistirá da posse.

            -Tô fora.

            – Como?

            – Tô fora.

            – Já tinham me dito que você era reacionário e entreguista, e eu não acreditei.

            – Pense o que quiser. Com ordem minha, meus comandados não vão. Não acho justo agredir alguém e ainda mais atentando até contra a vida, diante de uma situação da qual não é causador; é apenas instrumento. Não vou, de jeito nenhum.

            – Mas pelo menos dá para mandar seus liderados?

            – Não. Vou comunicar sobre o evento, falar sobre sua pretensão e vai quem quiser.

            À tarde, discretamente, fui conferir a solenidade.

            Quando Burity começou o discurso, a bomba estourou embaixo da cadeira dele e ele caiu para trás…

            Saí, às escondidas.

            Desde esse dia, toda vez que chegava ao turno da tarde para cumprimentar os poucos correligionários e conhecidos que tinha, era mal recebido e xingado como João Trindade, o “reacionário”.

            Coube a mim, o “reacionário”, organizar o único protesto são e verdadeiro contra a ditadura de Luís Mendes no Lyceu.

            A primeira atitude que ele tomou, como autoritário que era, foieditar uma portaria obrigando os alunos a ingressarem no colégio pela porta dos fundos! Os professores entrariam pela da frente.

            Aí também já era demais!…

            Apesar de ser contra qualquer protesto violento, procurei o diretor, em nome dos alunos da manhã, para dissuadi-lo da ideia.

            Ele simplesmente disse NÃO, virou as costas e saiu.

 Pela primeira vez, na vida de estudante, tomei uma atitude rebelde e agressiva:

            – Pois então, senhor diretor: Se amanhã a gente não entrar pela frente, os alunos da manhã virão munidos de instrumentos (não arma, claro);arrobaremos a porta e entraremos.

            -Serão presos e enquadrados na Lei de Segurança Nacional.

            No dia seguinte, estávamos à porta do Lyceu, devidamente “armados”. O sujeito que estava tomando conta da portaria foi até o diretor e avisou.

            Minutos depois, a porta foi aberta.

            Uma vitóriado “reacionário” João Trindade.

            Não sei se teve a ver com o episódio, mas a verdade é que, muito pouco tempo depois, Luís Mendes não era mais diretor do Lyceu.

            (Dedico este texto a todos os meus ex-colegas de Lyceu e aos professores da época; e, é claro, ao professor Manuel – in memoriam). Creio que José Di Lorenzo, um dos meus professores de Química, ainda lecionava lá e deve lembrar-se do episódio.

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