A cantora

Por motivos óbvios, omitirei os nomes de protagonistas e local.

Foi nos longínquos anos 80.

Chega-me o doido do amigo A. com mais uma de suas loucuras:

– Vamos tomar um uísque com (…) no apartamento em que ela está hospedada, no Hotel (…).

Era uma mulher bela. Morena bonita; “maguinha enxuta”. Elegante, educada, culta (isso eu só soube no encontro!); famosa, nacionalmente.

– O quê? Tá brincando, rapaz?!… Brincadeira tem hora.

– É verdade.

Desconfiei, mas como conhecia bem as loucuras de A. (uma vez me fez viajar a Maceió e pegarmos seis aviões, numa mesma viagem. E o pior: cheguei à minha casa só para pegar roupa e mala, porque o avião já iria sair dali a pouco. É lógico que minha esposa quase me mata. Ela não é de brigar por essas coisas, mas a maneira como eu fiz foi realmente chocante. Quando chegamos ao aeroporto, o avião já estava recolhendo a escada), concordei.

Eu, na época, estava no auge da minha carreira como professor de cursinho e era um dos sócios do mais badalado colégio da cidade.

Fomos ao hotel. Fiquei ainda mais encantado do que já era com ela. E ríamos,e brincávamos, e brindávamos, e gargalhávamos… Houve um momento em que deitamos na cama do hotel, os três (bem entendido, vestidos). Cheguei a pensar bobagens e deu vontade de fazer-lhe um afago. Mas, como sou muito tímido, recuei. Ela me olhou, terna e mansamente. Será que também estava pedindo uma carícia?

Nunca saberei.

Momento de poesia

“Remorso

 Às vezes, uma dor me desespera…
 Nestas ânsias e dúvidas em que ando.
 Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.

 Versos e amores sufoquei calando,
 Sem os gozar numa explosão sincera…
 Ah! Mais cem vidas! com que ardor quisera
 Mais viver, mais penar e amar cantando!

 Sinto o que desperdicei na juventude;
 Choro, neste começo de velhice,
 Mártir da hipocrisia ou da virtude,

 Os beijos que não tive por tolice,
 Por timidez o que sofrer não pude,
 E por pudor os versos que não disse!”

(Olavo Bilac)