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Professor Trindade

Certa vez, em conversa comigo, o jornalista Antônio Vicente Filho, ao saber que eu estava comentando futebol na CBN, me disse que não entendia como é que um intelectual poderia gostar de futebol e muito menos comentar. E me veio com aquele eterno chavão de que não se pode gostar de ver “22 machos atrás de uma bola”. Expliquei-lhe que tal juízo, além de preconceituoso, era equivocado, porque futebol, quando bem jogado, é, antes de tudo uma arte; há jogadas que são verdadeiros poemas.

            Esse lado artístico e poético do futebol entusiasmava dois grandes escritores brasileiros que foram, assim como eu, cronistas esportivos: José Lins do Rego e Nelson Rodrigues.

            Certo que na época deles a crônica esportiva era mais subjetiva, intimista, poética; não havia a exigência de se entender as nuanças táticas de uma partida; até nem mesmo a técnica; valia mais o coração. Ambos, torcedores “doentes” de Flamengo e Fluminense, respectivamente, torciam, abertamente, nos comentários e, não raro, deixavam as análises técnicas e táticas de lado; o que eu, por exemplo, não fazia. Até mesmo nas partidas em que meu clube do coração atuava, procurei, aos microfones da Rádio ou nas páginas de jornal, ser sempre neutro. Quando queria torcer, fazia-o nos dias em que não estava comentando; e não ia para as cabines; e sim, para as arquibancadas.

            Selecionei algumas frases de José Lins e de Nelson Rodrigues, respectivamente, sobre futebol e a paixão deles pelo clube de coração:

            De José Lins do Rego:

            “Tenho o Flamengo no sangue e desde que me chamem para seu serviço, não sou mais que um escravo. Admirável paixão que nos arrasta aos entusiasmos mais extremos e a tristezas profundas, mas paixão que nos ajuda a viver, que nos congrega em torcidas que não temem a chuva e o sol, que se sobrepropõe aos nossos interesses particulares, para ser um [torcedor do] Flamengo, um simples homem de arquibancada disposto a tudo. Sou grato ao Flamengo e por ele darei tudo que puder”.

            Ao falar sobre os torcedores dos times adversários que perdiam para o Flamengo, ele diz:

“Que chorem e chorem muito; que as lágrimas rolem como no samba; que as lágrimas desçam da face abaixo, como uma torrente… Chorem muito, chorem demais, chorem como um bezerro desmamado, mas chorem, meus amigos, que o pranto é livre”.

De Nelson Rodrigues:

“Eu vos digo que o melhor time é o Fluminense. E podem me dizer que os fatos provam o contrário, que eu vos digo: pior para os fatos”.

“Se o Fluminense jogasse no céu, eu morreria para vê-lo jogar”.

         “Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola”.

“Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos”.

            O MESTRE JOÃO MANUEL DE CARVALHO

            Foi com grande pesar e tristeza que soube da morte desse grande jornalista, que foi um verdadeiro professor para mim.

            Jamais esquecerei das lições dele, no meu início do Jornal Correio da Paraíba. Era 1978 e eu tinha apenas 21 anos. Com quanta alegria não recebi dele a notícia de que além do trabalho de copidesque iria escrever, também, uma crônica diária na página de esporte: eu, um menino, iria ser o cronista esportivo do grande diário.

            Uma vez, ele me chamou na mesa dele (era o editor) e, diante do meu tremor e medo, me fez grandes elogios, mas, também, me deu um inesquecível ensinamento:

            – Colega (era assim que tratava a todos da redação): você tem talento e um futuro brilhante. Mas escute um conselho: não cometa os vícios dos outros; evite as redundâncias. Não escreva “morada do sol”; escreva: Patos; não use “Galo da Borborema”. Diga: Treze.

Dali em diante, nunca mais escrevi: “Morada do Sol”, “Galo da Borborema” e outras redundâncias horrorosas, infelizmente ainda hoje usadas na nossa crônica esportiva.      

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