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Professor Trindade

Sinto desapontar grande parte dos leitores, mas a Semana de Arte Moderna não tem esses méritos todos que tanto propagam.

Teve importância para uma mudança radical de atitude nas artes? Sim. Mas não esse condão de “fundar” o modernismo no Brasil e nem esse caráter de nacionalidade,  nacionalismo e descentralização que se quer atribuir a ela.

Ora, a Semana de Arte de 22, que aconteceu de 13 a 17 de fevereiro daquele ano, no Teatro Municipal de São Paulo, simplesmente reproduzia tendências europeias, como as chamadas “Vanguardas”, a exemplo de futurismo, dadaísmo, cubismo e surrealismo, para ficar apenas nas quatro principais.

O que me incomoda nesse endeusamento da “Semana” é dizerem que ela implantou a arte moderna no Brasil; principalmente, quando se trata de literatura, apregoando-se, falsamente, que graças aos mentores da Semana, quebraram-se os padrões parnasianos, incorporaram-se os versos livres (versos sem métrica e sem rima), a desobediência em relação à colocação pronominal, o nacionalismo, os cortes na narrativa, a quebra da narrativa linear, o prosaico à poesia e o “mau gosto”.

Ora, muito antes da Semana já se praticava tudo isso. O verso livre foi intensamente praticado, antes, por Mário Pederneiras, entre outros. A desobediência à colocação pronominal e a defesa de uma língua brasileira vêm desde os poetas românticos.

São inegáveis, por exemplo, os traços de modernidade na poesia de Augusto dos Anjos, também anterior à Semana. E quais esses traços, na poética do paraibano? Ora, gente, logo de cara a quebra dos padrões parnasianos quando o nosso poeta pratica a repetição de palavras, algo abominado pelos autores daquela escola, e recursos estilísticos “estranhos”. O poeta em “Os Doentes” ousa grafar a palavra exemplo abreviada: ex. Você encontra no “Poema Negro” a referência à letra esse não se grafando a palavra esse, mas reproduzindo-se o próprio S; recursos, para os padrões da época, absolutamente inaceitáveis.

Na verdade, Augusto trouxe o prosaico à poesia brasileira, antes do movimento de 22. Aquele prosaico de que tanto falam os que fizeram a Semana e os modernistas de primeira geração já se encontrava, bem nítido, na poética augustiana, conforme comprovam os sempre citados e memoráveis versos:

Toma um fósforo, acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija.

Aliás, o paraibano foi absurdamente “classificado” por alguns, na época, como simbolista, parnasiano; até mesmo como naturalista. Aí, finalmente inventaram um rótulo artificial e inapropriado de Pré-modernismo, no qual fizeram uma “salada” que englobava nomes como Augusto, Lima Barreto, Euclides da Cunha, entre outros.

O que os playboys paulistas fizeram foi se apropriar da arte moderna, como se fosse propriedade deles, e, ao contrário do que pregavam, queriam a centralização da arte (sobretudo da literatura) no sul do país. Ignoraram, totalmente, o Nordeste, que já tinha tendências tão modernas e dignas de destaque como as que desaguaram no Movimento regionalista dos anos 1930.

Modernismo não se confunde com modernidade. E a modernidade, essa não foram os da Semana os pioneiros. Modernos mesmo já eram Machado de Assis, Augusto dos Anjos, Lima Barreto e tantos outros que ficaram esquecidos ou foram desprezados.

A Semana de Arte Moderna teve seu valor? Teve. Mas, convenhamos: não foi esses “balaios” todos, não!…

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