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Professor Trindade

A anáfora é uma figura de linguagem em que o autor repete determinada expressão, no início do verso (no texto poético) ou da frase (no texto em prosa). Caso isso aconteça no final, chamar-se-á epístrofe.

A figura aludida, quando usada com parcimônia, dá beleza, vida e enriquece o estilo e a retórica do orador, no caso dos discursos, por exemplo; seja ele de que natureza for. Já o excesso, enfeia o estilo, enjoa e denota, não raramente, pobreza vocabular.

Exemplo de bela anáfora são os versos da primeira e segunda estrofes do poema “A Estrela”, do livro “Lira dos Cinqunt’anos”, Manuel Bandeira:

Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alto luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia”.

Já o abuso a gente encontra, por exemplo, em dois bons forrós, que, apesar de bonitos, os autores cometeram o que eu chamo de síndrome do abuso da anáfora. Trata-se de, respectivamente, “A Natureza das Coisas”, conhecida, popularmente, como “A Burrinha da Felicidade”, de Accioly Neto, e “Destá”, de Dorgival Dantas, respectivamente:

A Natureza das Coisas

“Ô, xalalalalalalá
Ô, xalalalalalalá
Ô, xalalalalalalá
Ô, coisa boa é namorar

Se avexe não
Amanhã pode acontecer tudo, inclusive nada
Se avexe não
Que a lagarta rasteja até o dia em que cria asas
Se avexe não
Que a burrinha da felicidade nunca se atrasa
Se avexe não
Amanhã ela para na porta da sua casa

Se avexe não
Toda caminhada começa no primeiro passo
A natureza não tem pressa, segue seu compasso
Inexoravelmente chega lá
Se avexe não
Observe quem vai subindo a ladeira
Seja princesa ou seja lavadeira
Pra ir mais alto, vai ter que suar

Ô, xalalalalalalá
Ô, xalalalalalalá
Ô, xalalalalalalá
Ô, coisa boa é namorar

Se avexe não
que amanhã pode acontecer tudo, inclusive nada, como é que é?
Se avexe não
Que a lagarta rasteja até o dia em que cria asas, outra vez
Se avexe não
Que a burrinha da felicidade nunca se atrasa, é com vocês
Se avexe não
Amanhã ela para na porta da sua casa
Bem forte, agora eu quero ouvir como é que é

Se avexe não
Toda caminhada começa no primeiro passo
A natureza não tem pressa, segue seu compasso
Inexoravelmente chega lá
Se avexe não
Observe quem vai subindo a ladeira
Seja princesa ou seja lavadeira
Pra ir mais alto, vai ter que suar

Ô, xalalalalalalá
Ô, xalalalalalalá
Ô, xalalalalalalá
Ô, coisa boa é namorar”.

Destá

Destá

Eu hei de ver você bater em minha porta
Toc toctoc

Destá
É sempre assim quem rir por último ri melhor
Destá
A vida é isso e o mundo véio dá muitas tantas voltas
Talvez em muito breve a gente vai se encontrar num próximo DVD

Destá
Eu hei de ver você bater em minha porta
Toc toctoc

Destá
É sempre assim quem rir por último ri melhor
Destá
A vida é isso e o mundo dá muitas voltas
Talvez em uma delas você vá me encontrar, vai

Em minha porta

Destá
É sempre assim quem rir por último ri melhor
Destá
A vida é isso e o mundo véio dá muitas tantas voltas
Talvez em uma delas você vá me encontrar

Olha eu sonhei você chorando
Sem saber o que fazer
Só porque me viu passando
Com um alguém sem ser você

Olha que eu não ‘tava nem namorando, só paquerando
Reagiu sem perceber
Eu já estou pensando
Quer que eu volte pra você

Destá
Eu hei de ver você bater em minha porta
Toc toctoc

Destá
É sempre assim quem rir por último ri melhor
Destá
A vida é isso e o mundo dá muitas voltas
Talvez em uma delas você vá me encontrar, vai

Olha eu sonhei você chorando
Sem saber o que fazer
Só porque me viu passando
Com um alguém sem ser você

E pra quem não ‘tava ligando
Reagiu sem perceber
Eu já ‘tou pensando
Quer que eu volte pra você

Se chorar direitinho eu volto

Destá
Eu hei de ver tu bater na minha porta

Destá
É sempre assim quem rir por último ri melhor
Destá
A vida é isso e o mundo dá muitas voltas
Talvez em uma delas você vá me encontrar”.

Passemos agora a detalhar (e explicar) o que foi dito no primeiro e segundo parágrafos:

Observe o(a) leitor(a) que no poema “A Estrela”, o poeta usou a anáfora apenas nas duas primeiras estrofes, para definir a estrela. Nos versos seguintes, ele já não usa mais o recurso, numa prova clara de que o autor soube usar a figura com parcimônia, equilíbrio e para realmente embelezar o poema.

O mesmo não aconteceu nas duas letras de música que vêm em seguida, em que se cometeu o abuso da anáfora, uma vez que ela vai da primeira à última estrofe, tornando o texto repetitivo, enjoativo, enfeando o estilo e a figura de linguagem perdeu,completamente, a finalidade.

Com isso não quero, evidentemente, negar o valor dos dois poemas, que são muito belos; inclusive, sou ardoroso fã de Accioly Neto, que, para mim, é um dos maiores compositores – ao lado de Petrúcio Amorim, da música genuinamente nordestina; mais especificamente, do nosso verdadeiro forró.

Oxente e destá

Destá é uma corruptela bastante usada pelos nordestinos, sobretudo por nós, paraibanos. Em verdade, é uma abreviação de “deixe estar”, que, convenhamos, é feio, distanciado do povo, longo e chato.

Mas a mais linda e mais gostosa corruptela nossa é o agradabilíssimo oxente (não está nas letras citadas). Odeio quanto alguém me diz que é pra dizer: “oh, gente!”, porque é o “certo”. Sim, oxente é corruptela de “oh, gente”, mas criou vida própria e faz muito tempo que não equivale mais ao termo original.

Citação da semana

“O dia que muito se espera

 Ou vem tarde demais ou nunca vem…”.

(Judas Isgorogota, poeta alagoano).

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