Muita gente não sabe usar a regra geral da crase; pensa que basta haver um elemento transitivo indireto que se junte a um termo feminino e haverá crase. Não é bem assim!
Crase é a junção da preposição a com o artigo a ou com o a inicial dos pronomes aquele, aqueles, aquela, aquelas, aquilo.
Portanto, para haver crase (primeiro requisito da regra) é necessário que o elemento transitivo indireto que exige a preposição a se junte a uma palavra feminina que admita o artigo a; e não a qualquer palavra feminina.
Exemplo:
Eu me referi à moça de azul.
No caso, o verbo pronominal referir-se exige a preposição a (quem se refere se refere a) e se juntou a uma palavra feminina (moça) que admite o artigo a (a moça vestia azul).
Ocorre que nem toda palavra feminina admite o artigo a. As palavras femininas usadas em sentido genérico não são acompanhadas do artigo a, não admitindo, portanto, a crase.
Observe o exemplo:
O promotor se dirige a homem ou a mulher sempre de forma cordial.
Note que aí não poderá haver crase!
O raciocínio é o seguinte:
O promotor se dirige a (qualquer) homem ou a (qualquer) mulher, sempre de forma cordial. (sentido genérico).
Outro exemplo:
“Encontrando-se provido o cargo, o seu eventual ocupante será reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização ou aproveitado em outro cargo, ou, ainda, posto em disponibilidade.” (Lei nº 8.112/1990, art. 28, § 2º).
Por fim, observe-se que crase é o fenômeno, e não o acento; este se chama acento grave.
Momento poético
“Horas de saudade
Tudo vem me lembrar que tu fugiste,
Tudo que me rodeia de ti fala.
Inda a almofada, em que pousaste a fronte
O teu perfume predileto exala
No piano saudoso, à tua espera,
Dormem sono de morte as harmonias.
E a valsa entreaberta mostra a frase
A doce frase qu’inda há pouco lias.
As horas passam longas, sonolentas…
Desce a tarde no carro vaporoso…
D’Ave-Maria o sino, que soluça,
É por ti que soluça mais queixoso.
E não Vens te sentar perto, bem perto
Nem derramas ao vento da tardinha,
A caçoula de notas rutilantes
Que tua alma entornava sobre a minha.
(…)
É que tudo me lembra que fugiste.
Tudo que me rodeia de ti fala…
Como o cristal da essência do oriente
Mesmo vazio a sândalo trescala.
No ramo curvo o ninho abandonado
Relembra o pipilar do passarinho.
Foi-se a festa de amores e de afagos…
Eras — ave do céu… minh’alma — o ninho!
Por onde trilhas — um perfume expande-se.
Há ritmo e cadência no teu passo!
És como a estrela, que transpondo as sombras,
Deixa um rastro de luz no azul do espaço …
E teu rastro de amor guarda minh’alma,
Estrela que fugiste aos meus anelos!
Que levaste-me a vida entrelaçada
Na sombra sideral de teus cabelos!…”
(Castro Alves)
Auto-ombudsman
Semana passada, deixei de mencionar o autor do poema “Língua Portuguesa”: Olavo Bilac.