O cartunista Ziraldo morreu sábado, 6, aos 91 anos, em consequência da falência múltipla de órgãos, segundo a família.
Embora ele mesmo não gostasse de ser descrito assim, era um artista eclético. Com mais de sete décadas de carreira, criou personagens marcantes na literatura infantil, sendo o mais conhecido e propalado “O Menino Maluquinho”. Seus livros venderam mais de 10 milhões de exemplares e foram publicados em vários idiomas.
Nascido em Caratinga, Minas Gerais, Ziraldo começou a carreira publicando charges e cartuns em veículos como O Cruzeiro e Jornal do Brasil.
Foi, no entanto devido à sua atuação no jornal O Pasquim, do qual foi um dos fundadores, que ele ganhou notoriedade no país. Por meio do humor ferino e linguagem desbocada, a publicação, na época da ditadura militar, foi decisiva para estabelecer os rumos do jornalismo brasileiro, ao tecer ácidas e corajosas críticas ao regime militar.
Devido a essa militância política foi preso, juntamente com vários colegas de semanário. Aliás, o Pasquim, criado em 1969, pouco depois do AI 5, chegou a atingir tiragens de quase 200 mil exemplares, um recorde inimaginável para a época, e tinha uma gama de colaboradores de inquestionável qualidade, como Paulo Francis, Ivan Lessa, Ruy Castro, Sérgio Augusto, Tarso de Castro, entre outros.
Ziraldo foi marcante nesses anos, com charges políticas e de costumes e que expressavam, sobretudo, o amor pelo Brasil, o traço central da sua obra.
Encantou gerações de crianças, jovens e adultos, com seus personagens-tipo marcantes como Pererê; Jeremias, o Bom; Flicts; o menino Maluquinho; e tantos outros.
Ziraldo e a literatura para crianças
Não há dúvidas de que Ziraldo faz parte de uma gama de escritores que modificaram a literatura para criança, no Brasil. A seguir, comentaremos as principais:
Flicts
Publicada em 1969, portanto no auge da ditadura militar, o poema Flicts retrata o “frágil, feio e aflito Flicts”, cor “de coisa alguma” e, por tal motivo, desprezado por todas as outras cores.
O texto tem um interessante ritmo, que faz uso das redondilhas (versos de 5 e 7 sílabas), ao longo do enredo, que culmina num momento poético de grande emotividade.
Trecho
“Era uma vez uma cor
Muito rara e muito triste
Que se chamava flicts
não
tinha
a
força
do
vermelho
não tinha a imensa luz do amarelo
nem a paz que tem o azul.”(…)
O Menino Maluquinho
Publicado em 1980, O Menino Maluquinho conta a história do personagem homônimo, que não tem um nome específico no livro. É narrado em terceira pessoa e não tem espaço definido.
Pode-se concluir, ao longo da leitura, que o garoto tem entre 10 e 12 anos e é de família de classe média.
Como o próprio nome já sugere, pratica todo tipo de traquinagem, que o leitor depreende logo nas primeiras páginas. É criativo, inventa músicas, faz poemas…
Segundo descrição do narrador, era o menorzinho da turma com quem andava e “o mais espertinho, o mais bonitinho, o mais alegrinho, o mais maluquinho”.
O moleque, que viveu a vida com muita alegria, cresceu, e cresceu feliz.
Trecho
“O menino maluquinho
Não conseguiu segurar o tempo!
(…)
E, como todo mundo,
O menino maluquinho cresceu.
E foi aí que
todo mundo descobriu
que ele
não tinha sido
um
menino
maluquinho
ele tinha sido um menino feliz! ”
Pererê
Ziraldo começou a publicar as aventuras do Pererê e sua turma numa revista mensal, editada pelo O Cruzeiro, em 1960 e ela durou até 1964.
Otraço marcante da turma é que ela traz tipos autenticamente nacionais, vivendo no universo ficcional da Mata do Fundão, localizada num lugar indefinido do interior do Brasil e que tem como limites a Fazenda do Dodói, a Fazenda das Canoas, a Fazenda Inglaterra, o Ribeirão da Nódoa e o Coqueiral do Salim.
Obviamente, Pererê é o personagem central e seu tipo é criado a partir do Saci, o duende negrinho do folclore nacional. Fisicamente, é bem parecido com o tradicional: tem uma perna só, anda nu, usa uma carapuça vermelha e fuma cachimbo. As semelhanças, no entanto, terminam por aí. O autor modificou-lhe a estatura (não é baixinho como o original) e alterou-lhe algumas características consagradas pelo folclore. Ele não pratica “pequenas maldades”, como, por exemplo, assombrar o povo. É uma figura alegre e de profunda sensibilidade.
Podemos destacar outras personagens importantes na narrativa: a onça Galileu, que se caracteriza como brincalhão e sempre disposto a ajudar os outros. É perseguido, no desenrolar da fábula, por Compadre Tonico, caçador de onças.
Outras personagens:
Macaco Alan Viviano – ajuizado e esperto.
A coruja – espécie de consciência da mata, cujo apelido é General Nogueira.
Tatu Pedro Vieira – encara tudo de modo muito sério.
Jabuti Moacir Floriano – o carteiro.
Coelho Geraldinho Alves – mascote da turma.
Há, evidentemente, outros de menor destaque; isso não significa, porém, que tenham menos importância na trama.