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Professor Trindade

Noite de sexta-feira. Dia de barezinhos (e não, barzinhos). No “palco” de um deles, um

“músico” se apresenta. Escuto, então, o seguinte absurdo:

“E agora, e agoras a quem te magoa (…)”

Espero, incrédulo, a “volta” da música para, então, ouvir novamente:

“E agora. E agoras a quem te magoa (…)”

Não me conformo e vou olhar a pasta pela qual o cantor se rege e está lá, realmente

mutilado o verso que, na verdade, diz:

“E agora, que adoras a quem te magoa (…)”

Flexionar advérbio é demais!… Ainda mais colocando uma expressão sem sentido.

É comum, na noite, esse tipo de desatino.

Uma das coisas que mais me revoltam (e essa já vi várias vezes!) é quando “assassinam”

 a música “Sampa”, de Caetano Veloso, cantando:

“E os novos baianos passeiam na tua garoa

E os novos baianos te podem curtir numa boa.”

Acabam a poesia de Caetano, quando repetem “e os novos baianos”.

Na verdade, o que Caetano disse foi:

“E os novos baianos passeiam na tua garoa

E novos baianos te podem curtir numa boa.”

Caetano alcançou um jogo poético fenomenal com a omissão do artigo “os”, na segunda

frase. O que ele disse foi: Os Novos Baianos (os integrantes do conjunto) passeiam na

garoa de São Paulo, e novos baianos (quaisquer baianos que saiam do Nordeste, em busca

da metrópole) podem curtir São Paulo numa boa, já que Caetano e outros que foram antes

abriram caminho.

Mas triste mesmo é o que fazem com o mestre Cartola e a obra-prima “As Rosas não

Falam”. É de fazer dó.

Cantam:

“Devias vir, para ver os meus olhos tristonhos

E quem sonhar com os meus sonhos, por fim.”

O que o poema diz é:

“Devias vir, para ver os meus olhos tristonhos

E quem sabe sonhavas meussonhos, por fim.”

Em outras palavras:

A amada deveria vir, para compartilhar os sonhos dele. O verbo “sonhar” está

transitivado; está como transitivo direto e com objeto direto interno. Ela vir sonhar os

sonhos dele é bem diferente de sonhar com os sonhos dele. Nesse último caso, o

compartilhar do amor, tão desejado pelo poeta, não vai existir, já que ele afirmara,

anteriormente: “pois eu sei que não deves voltar para mim”.

Ainda em relação a Cartola:

A música diz:

“Simplesmente as rosas exalam

O perfume que roubam de ti, ai…”

Os ditos cantores da noite “assassinam” o verso, pronunciando “aí”. Transformam,

criminosamente, a interjeição “ai” (que significa a dor pela ausência da amada) num

advérbio de lugar “aí”, desproposital.

Poderia me alongar muitos mais, tantos os exemplos que tenho. Mas vou encerrar com

este, que se não desse raiva dava para rir:

Os que ouvi até agorapervertem versos importantes de “Trem das Onze”, cantando:

“E além disso, mulher, tem outrascoisas

  Minha mãe não dorme enquanto eu não chegar…”

Essa é hilária!…

O que os versos da música dizem é:

“E além disso mulher, tem outra coisa:

  Minha mãe não dorme enquanto eu não chegar!…”

Ora, trata-se de uma coisa só: a mãe do “eu lírico” não dorme enquanto ele não chegar.

Portanto, não são “outras coisas”…

“Durma-se com um barulho desse”!

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