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Professor Trindade

            A minha infância, em Patos, foi povoada pelo pavor de cachorro doido (era essa a expressão, no sertão, para designar cão raivoso). Vivíamos – nós, os guris – apavorados com as inúmeras histórias e lendas que nos contavam, envolvendo garotos mordidos por cachorro doente (designação popular).

            Impressionava-me, principalmente, quando me diziam que, se não tomasse a  vacina, com três meses o menino sairia mordendo todo mundo, babando e teria de “levar uma injeção” para morrer.

            Para piorar as coisas e meu medo, minha mãe vivia a dizer, quando a gente deixava a porta da sala aberta: “Menino, feche essa porta… Se não vem um cachorro doido e morde vocês”.

De tempos em tempos, era “tempo de cachorro doido” e a meninada ficava em polvorosa: “Na Rua da Baixa” tem um; na “Porfírio da Costa tem outro”. E, de vez em quando, um grito e uma carreira: “Cachorro doido…”. E a gurizada corria. Rebate falso: era um colega aperreando o grupo”.

            Uma vez, porém, no único passeio em que fui tomar banho de rio (apesar de criado no sertão, não sei nadar e nunca tomei banho de rio), justamente na “Porfírio da Costa”, já perto do rio, surge uma voz: “Cachorro doido!”. O grito e a corrida foram gerais. Ainda hesitei um pouco, para saber se era verdade ou mentira. Mas a curriola já vinha perto de mim. Alguns colegas que estavam já na beira do rio pularam dentro, já que cão raivoso tem medo de água; daí o nome de hidrofobia (fobia a água) para a doença.

            E lá vem o cachorro doido. Quanto mais eu corria, mais ele se aproximava. Consegui, porém, me safar. O cachorro, no entanto, pegou o menorzinho da turma: Francisco; um menino que morava quase vizinho à minha casa.

            Foi choradeira geral. “E agora? Francisco vai morrer?”“Vai ter que ser amarrado na cama?”“Vai sair tentando morder a gente”? “Vai ter que levar injeção para morrer?”.

            Os pais de Francisco nos tranquilizaram. Foi aí que descobrimos a primeira atitude a se tomar nesse caso: lavar bem o ferimento com água e sabão virgem e procurar o posto de saúde. Soubemos que Francisco iria tomar um bocado de injeção.

            Mesmo assim, não fiquei muito tranquilo, enquanto não se passaram os tais três meses. Será que a injeção não tinha servido? Era eficaz mesmo? Sonhava com Francisco mordendo a gente, se mordendo e tomando a fatídica injeção letal.

            O noticiário da TV me acorda. É inacreditável que, nos dias de hoje, eu esteja diante da tela assistindo a um caso de raiva (que não é “raiva humana”, mas sim, transmitida pelo animal) e ouvindo o pai da criança dizer que não dera o restante das vacinas porque não sabia a gravidade do caso.

            Pobre pai. Pobre família, vítima da falta de educação. Órfãos do país do descaso.

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