Observe o leitor a seguinte frase:
O resto do policiamento local evacua a cidade; saem em fuga desesperada.
Você acha que está errada?
Pois não está! Na verdade, nessa frase não se usou a concordância gramatical; mas sim, a ideológica, também chamada Silepse.
Há dois tipos de concordância: a gramatical (a exigida pela gramática) e a ideológica (silepse). A primeira, o leitor já sabe que é aquela em que o verbo concorda com o núcleo do sujeito; a segunda (menos frequente e mais literária), é aquela em que o autor concorda com a ideia expressa na frase, e não com a gramática.
Por exemplo:
Supondo que você se encontre com o governador e o veja muito cansado. Você vai perguntar:
-Vossa excelência está muito cansada, governador?
Claro que não!
Embora Vossa excelência seja uma expressão feminina, como o nosso governador é homem você vai dizer:
-Vossa excelência está muito cansado, governador?
Note que, aí, a concordância foi feita com a ideia; usou-se o masculino: cansado, para concordar com governador, idem.
Suponhamos, agora, outra situação:
Você é integrante de uma turma concluinte do Ensino Médio e, então, dirige-se ao diretor da Escola e diz:
– Os terceiranistas estamos muito felizes com a nossa formatura.
Note que o sujeito da oração é os terceiranistas (3ª pessoa do plural), mas, como você quis se incluir, concordou com a ideia = nós (1ª pessoa do plural).
Na verdade, a silepse não está, rigorosamente, no campo da gramática, mas sim, da estilística; no entanto, os gramáticos e a prática assimilaram tal concordância e a aceitam, pacificamente, como figura de sintaxe.
Tipos de silepse
1.De número:
O grupo de curiosos acorreram ao local do acidente.
2.De gênero:
Porto Alegre é bastante conhecida.
3.De pessoa
Os sertanejos somos um povo hospitaleiro.
Momento de poesia
Soneto 76
Shakespeare
(Tradução de Carlos Vogth)
Por que ao meu verso falta novidade
Orgulho jovem, variação, mudança?
Por que não deixo acompanhar-me a idade
Dos novos métodos que a moda lança?
Por que escrevo sempre o mesmo
E escondo o achado em hábitos banais,
Tanto que as palavras quase que a esmo
Mostram meu nome a mim como seus pais?
Ó doce amor, é de você que escrevo,
Você e o amor, meu único argumento;
Vestir no velho o novo, este o meu desejo,
Usando tudo o que me lega o tempo…
Como o sol a cada dia é novo e tardo
Assim meu amor só conta o que é contado.