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Professor Trindade

Começo dizendo que a crase realmente “não foi feita para humilhar ninguém” e que está ligada à sintaxe; e não, à ortografia. É difícil aprender a usá-la? Não. É trabalhoso? Sim. Todos os assuntos que dependem do conhecimento de análise sintática e da sintaxe são trabalhosos.

Sinto desapontar a muitos, mas a crase não se aprende com “macetes” do tipo: “se puder trocar a palavra feminina por uma masculina que aceite ‘AO’, haverá crase”. Isso não é verdade; são inúmeros os exemplos em que tal dispositivo não dá certo.

Deixemos, no entanto, de conversa fiada e entremos no assunto.

Antes, um requisito:

Você só aprenderá a usar a crase se souber distinguir um verbo transitivo direto de um indireto e saiba o que é complemento nominal.

Verbo transitivo direto é aquele que exige complemento, sem preposição obrigatória. Na prática, um complemento que responda às perguntas: O quê/quem?:

Comprei (o quê?) um ótimo livro de Neruda.

Conheci (quem?) seu pai, ontem, na praia.

Verbo transitivo indireto é aquele que exige complemento obrigatoriamente preposicionado. Na prática, um complemento que responda às perguntas:

De quê/de quem?/ a quê/a quem? Com quê/com quem/ em quê/ em quem?.

No caso do “em quem?”, é preciso ter cuidado, porque o “complemento” pode ser um adjunto adverbial, caso a frase dê ideia de companhia ou colaboração:

Gostei (de quê?) do seu sorriso.

Gostei (de quem?) daquela sua amiga.

Eu me referi (a quê?) ao seu vestido.

Eu me referi (a quem?) ao rapaz de azul.

Não acredito (em quê?) em suas palavras.

Não acredito (em quem?) em você.

Complemento nominal é o termo que complementa um nome que exige preposição obrigatória.

Use o mesmo raciocínio usado para o objeto indireto:

Fiz referência (a quê?) ao seu vestido.

Fiz referência (a quem) ao rapaz de azul.

Crase é a fusão (note que crase é o fenômeno, e não, o acento; este se chama acento grave) de A + A. O primeiro A será uma preposição e o segundo A, um artigo que acompanha uma palavra feminina que admita o artigo A, ou o A inicial dos pronomes aquele, aqueles, aquela, aquelas, aquilo.

REGRA GERAL DA CRASE

1.Haverá crase quando tivermos um verbo ou um nome transitivo indireto (os gramáticos não usam a terminologia nome transitivo indireto, mas existe; conforme provaremos) que exija a preposição A e se ligue a uma palavra feminina que admita o artigo A:

Eu me referi à moça de azul.

Note que o verbo referir-se é transitivo indireto (quem se refere, se refere A) e a palavra moça é feminina e admite o artigo A (você não diz: moça vai à praia; mas sim, a moça vai à praia).

Fiz referência à moça de azul.

Aqui, temos a palavra referência, que é um nome transitivo indireto (quem faz referência faz referência A) e a palavra moça, que é feminina e admite o artigo A.

ATENÇÃO!

Nem toda palavra feminina admite o artigo A; portanto, não basta o primeiro elemento ser transitivo indireto; é preciso também que o segundo elemento (feminino) admita o artigo A:

Aquele promotor se referia a homem ou a mulher (sem crase!) sempre de forma gentil.

Casados há anos, o promotor sempre se referia à mulher (com crase) carinhosamente. Aqui, o termo mulher está delimitado: a mulher dele, promotor.

A explicação é simples: as palavras usadas em sentido genérico não admitem artigo.

2. Igualmente haverá crase quando tivermos a mesma situação do item anterior, sendo que o segundo elemento da “equação” será um destes pronomes: aquele, aqueles, aquela, aquelas, aquilo:

Ele se referiu àquela moça de azul.

Note que o verbo referir-se é transitivo indireto (quem se refere se refere A) e a palavra feminina moça vem antecedida do pronome aquela, que começa com a letra A.

O mesmo raciocínio faça-se para:

Fiz referência àquela moça de azul.

Referência é um nome transitivo indireto (quem faz referência faz referência A) e se liga ao primeiro A do pronome aquela.

Outro exemplo:

Eu me referi àquilo.

Observe que no caso em questão pouco importa o pronome ser feminino ou masculino; o A preposição se juntou ao A do pronome, gerando o fenômeno crase.

CRASE SEMÂNTICA

Pouco discutida nas escolas.

A crase semântica, ao contrário da primeira, não se refere a um sentido gramatical, mas sim, semântico (o que importa, no caso, é o significado). Existe sobretudo para diferenciar situações do contexto:

Sentou-se à mesa (diferente de sentou-se na mesa).

Bateu à porta (diferente de bateu na porta e de bateu a porta).

REGRAS ESPECÍFICAS

1.NÃO OCORRE CRASE:

a) Diante de palavras masculinas: Graciliano escrevia seus romances a lápis e depois os passava para a máquina de escrever.

Evidentemente, se antes do masculino vier em elipse (subentendida) uma palavra feminina, haverá crase; não devido à expressão masculina, mas à feminina. E isso é a regra; não exceção, conforme afirmam alguns.

Exemplo: Ele se veste à [moda de] Roberto Carlos.

b) Antes de verbo: O rapaz pôs-se, então, a afirmar coisas sem qualquer sentido.

c) Nas locuções com palavras repetidas: Estava frente a frente com o inimigo, mas não atirou.

d) Nas expressões adverbiais de instrumento: Ele foi ferido a bala.

e) Quando tivermos A + palavra no plural: Ele estava a léguas da cidade.

f) Antes de artigo indefinido: Dedicou-se a uma mulher sem escrúpulos.

d) Antes de pronomes, de um modo geral*. Alguns exemplos:

Ele se dedicava a alguma desconhecida.

Esta é a mulher a quem dei meu amor e a cuja dedicação visava.

Entreguei a ela a minha vida e ela, a dela a mim.

Dirijo-me a V.Exª para requerer licença-paternidade.

*Diante de pronomes possessivos, a crase é facultativa:

Dedico este poema à (ou a) minha mãe.

2. A crase é FACULTATIVA:

a) Diante de pronomes possessivos femininos (ver item anterior).

b) Depois da preposição “até”: Vou até à (ou a) cidadezinha referida.

3.USA-SE A CRASE:

a) Nas expressões adverbais femininas de tempo, modo e lugar:

Cheguei à tarde à fazenda (tempo + lugar, respectivamente).

Deixei tudo às claras para ele (modo).

b) Nas expressões prepositivas e conjuntivas:

Estava à espera de você (prepositiva).

À medida que sofria, adoecia (conjuntiva).

c) Diante dos pronomes senhora, senhorita, dona (como tratamento): Referia-me à senhora sua mãe, ainda há pouco.

PALAVRAS CASA, TERRA e DISTÂNCIA

As palavras casa, terra e distância só aceitarão a crase se estiverem especificadas:

Cheguei a casa, logo cedo.

Chaguei à casa de minha mãe, logo cedo.

Enfim, os astronautas pisaram a terra e foram à terra em que nasceram, de  imediato.

Ela estava a distância e não a vi.

la estava à distância de dez metros dele.

INDICAÇÃO DE HORAS

Admitirá crase quando houver especificação:

Cheguei às onze horas.

Cheguei à uma da manhã.

A uma hora morta, despedimo-nos.

NOMES DE LOCALIDADE

Para se usar a crase com nomes de localidade, deve-se lembrar da seguinte trovinha:

“Se quando eu venho, venho DA,

Quando vou, craseio o A.”

Exemplos:

Vou à Bahia.

Venho DA Bahia.

Vou a Piancó.

Venho de Piancó.

AMBIGUIDADE SINTÁTICA

Usa-se a crase (mesmo com verbo transitivo direto) para se desfazer ambiguidade sintática (a ambiguidade não é semântica: o sentido não se compromete, mas sintaticamente há confusão):

Observe as seguintes construções:

Venceu a doença o remédio.

Qual o vencedor? Há confusão entre o sujeito e o objeto.

Para se desfazer a ambiguidade sintática, coloca-se a crase:

Venceu à doença o remédio.

(Agora, sabe-se que o remédio foi o vencedor).

ATENÇÃO

Deve o concursando ter muito cuidado com a seguinte estrutura:

Eu me referi à moça que chegou agora, e não à que saiu há pouco.

Note que a crase da segunda oração existe porque antes do pronome “que” está subentendida a palavra moça.

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