Moeda: Clima: Marés:
Início Colunas
Professor Trindade

Transcrevo, a seguir, entrevista concedida por mim ao jornal “A Entrevista”, da cidade de Valparaíso de Goiás, que fica no estado do mesmo nome. Agradeço a todos os que fazem aquele órgão de imprensa pela fidelidade com que reproduziram minhas respostas.


AE –Os brasileiros leem pouco?

A pergunta deve ser respondida sob dois prismas. Se for encarada a realidade que se vivencia nas escolas, no contato com o aluno, na qualidade (ou falta de) profissionais das diversas áreas, a resposta é sim. Os brasileiros leem muito pouco e mal. Essa afirmação nos leva a uma segunda “realidade”, que é a apresentada nas estatísticas de vendagem de livros, oriunda das editoras e tão propaladas em matérias de jornal: “O brasileiro está lendo mais”. Mas, lendo mais o quê? Livros de discutível qualidade; em geral, de autoajuda (nada contra livros de autoajuda, desde que sérios e bem escritos). A questão não está na quantidade, mas sim, na qualidade. Pergunte a um estudante do Ensino Médio se ele leu alguma obra de Machado de Assis, afora as indicadas para concursos e ele responderá que não; muitas vezes, até mesmo nas “obrigatórias” para concurso só lê o resumo. E para que não me chamem de “reacionário” ou “passadista”, pergunte-se a esse mesmo aluno se ele conhece algum autor da literatura brasileira contemporânea.

AE – O senhor como professor deve observar muitos erros de português. Como o senhor lida com isso? O senhor chama a atenção e corrige ou prefere apenas observar?

Se a pessoa for amiga, chamo-a à parte e faço a observação. Quando é colega de jornal ou de emissora, envio mensagem, via rede social, ou “e-mail”. Quando não conheço a pessoa, crio uma frase, lá na frente do diálogo, em que apareça a situação do erro, mas já aplicada de forma correta.

AE – O senhor se incomoda com o portunhol?

Não. Desde que usado na linguagem coloquial e com fins específicos.

AE – E o gerúndio nas frases?

Irritante! Devem-se evitar, sempre que possível, as formas compostas. E esse uso indiscriminado do gerúndio é pernicioso e, como disse, irritante. Mas o pior é que o gerúndio vem, em geral, acompanhado de uma porção de outros auxiliares, como por exemplo, numa frase que ouvi certa vez de uma coordenadora de colégio: “Nós vamos poder estar entregando as notas semana que que vem”. Absurdo.

Infelizmente, vai ser difícil eliminar esse cacoete, porque empregado, sistematicamente, nos meios de comunicação e, sobretudo, pelas empresas de telemarketing.

AE – O que o senhor acha do internetês e suas abreviações?

Já escrevi até um artigo em jornal sobre isso e que está no meu livro “Português Descontraído” (editora Alumnus/Leya, 2018). O problema não está no que chamam “internetês”. Não faz mal, no discurso coloquial específico da internet e que se dissemina nas redes sociais, a linguagem por abreviatura, para “ganhar” tempo. A questão está em conscientizar os jovens (maiores usuários desse tipo de linguagem) de que ela é específica para a internet e redes e que não deve ser lavada para o texto acadêmico ou profissional.

AE – São frequentes as notícias e dados de que alunos concluem o ensino fundamental sem saber ler e escrever. Qual o ponto de vista do senhor sobre esse assunto?

A afirmativa é verdadeira. Saber ler não é “passar a vista” no texto. A grande maioria dos que concluem o ensino fundamental (e também o médio) é incapaz de interpretar textos e não sabe escrever, porque não lê.

AE – Atualmente a expressão “testou positivo para a Covid-19” tornou-se habitual nos veículos de comunicação para relatar que uma pessoa foi submetida ao teste do Coronavírus e que o resultado foi positivo. O senhor enxerga um erro nessa expressão?

Sim. Não só gramatical, como de impropriedade vocabular. O verbo testar se aplica não a submeter-se a um teste, mas a testar algo; como, por exemplo, “os técnicos da Anvisa testaram a efetividade da vacina”. E a aposição do predicativo (“positivo”) geminado à forma verbal, nesse contexto, é absurda. Positivo é o teste e não a pessoa; portanto, ninguém pode “testar positivo”. Vocês já perceberam que, de acordo com a imprensa, ninguém mais divulga uma nota, mas “solta”?

Mas, infelizmente, são cacoetes que a imprensa dissemina (aliás, virou modaos meios de comunicação inventarem palavras, expressões e contextos absurdos que, infelizmente, reproduzem-se em todos eles) e é quase impossível dissipar. Mas isso é modismo. E todo modismo tem vida efêmera.

AE – Outra expressão usada em algumas emissoras de TV é “récorde”, como proparoxítona. É errado falar nesse sentido?

Sim. O certo é recorde (paroxítono). E aí não cabe a desculpa de que é para privilegiar a linguagem coloquial, porque pronunciar recorde daria o mesmo efeito para o telespectador. Aliás, essa é a nova moda da imprensa brasileira: transformar toda palavra em proparoxítona: colonialismo ridículo em relação aos EUA.

AE – As variações linguísticas podem variar dependendo de cada região ou estado. Muitas palavras são desconhecidas por parte do próprio brasileiro em decorrência dessa variedade. Na sua opinião, a língua portuguesa se torna uma das mais difíceis para se aprender por conta desse fator?

Luto sempre contra esse mito (talvez propagado intencionalmente), de que Português é difícil ou “a língua mais difícil do mundo”. Português não é difícil; o problema é que é ensinado de forma inadequada nas escolas. Enquanto todas as línguas são ensinadas privilegiando-se o texto e, a partir dele,observando-se as regras gramaticais, aqui, continuamos naquele método ineficaz e ultrapassado de “ensinar” a regra gramatical, isoladamente. Resultado: O sujeito decora as regras, mas, como não pratica no texto,escreve errado. Asvariações linguísticas de cada região não dificultam o aprendizado da língua. Nãose confundem língua e linguagem. A língua é uma só, enquanto existem várias linguagens. A língua é um padrão que pretende unificar a escrita e a fala no país, enquanto a linguagem é a expressão de uma localidade, um grupo social, um ambiente, etc. e depende, sobretudo, do contexto de oralidade. Evidentemente, muda, de região para região e de grupo para grupo; mas isso não representa um grande obstáculo,uma vez que se o sujeito chega ao Nordeste e não sabe o que é “oxente”, é só perguntar a alguém e aprenderá. Logicamente, isso não representa obstáculo para o aprendizado da língua.

AE – Um brasileiro que pretende viajar para Portugal consegue entender e compreender a língua portuguesa utilizada lá?

Sim. Vai ter alguma dificuldade apenas em relação à linguagem oral.

AE – Qual a importância de uma empresa de comunicação ter um revisor de texto na equipe?

Fundamental. Infelizmente, após o advento da informática, criou-se uma mentalidade de que ocorretor automático resolve tudo e isso não é verdade; ele elimina apenas os erros gramaticais. E a língua não é só gramática. Há outros elementos fundamentais, como, por exemplo, a semântica. Às vezes, uma frase está correta, do ponto devista gramatical, mas ininteligível ou com defeitos semânticos, como impropriedade vocabular, por exemplo. Não é à toa que depois de até as editoras adotarem essa política nefasta de não colocar revisor na equipe são inúmeros os erros, até em livros oriundos de teses (ou monografias, como queiram) de mestrado e doutorado. E quanto aos jornais, nem se fala: são frequentes os erros em relação ao acento grave da crase, acentuação gráfica, pontuação,impropriedades vocabulares… E, ultimamente, algo está me assustando: estão aparecendo, nos jornais e na TV, erros em relação à regra geral da concordância (o verbo concorda com o núcleo do sujeito). Isso é inadmissível para um sujeito que passou quatros anos numa universidade.

AE – Qual mensagem final o senhor gostaria de deixar aos leitores do jornal?

Que leiam, leiam muito. Não só jornal, mas sobretudo livros de literatura pura (poesia ou prosa), porque eles ajudam a escrever bem; e para aqueles mais pragmáticos, até a passar em concursos, porque muitas são as provas em que vemos crônicas de Machado de Assis e poemas de Drummond, entre outros.

Mas o mais importante é dar o exemplo aos filhos. Se o filho vê o pai lendo, vai desenvolver, também, o gosto pela leitura. Não adianta “obrigar” o filho a ler e não dar o exemplo. Mesmo porque, leitura “obrigatória” não surte efeito; não serve para nada; a não ser para criar revolta e aversão aos bons textos literários.

            ***

João Trindade é professor, poeta e crítico literário. Formado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba, é, também, advogado militante, jornalista e radialista. Lecionou muitos anos Língua Portuguesa e Literatura Brasileira em colégios e cursos preparatórios, cursos de pós-graduação, e, durante 24 anos, Introdução ao Direito, no Centro Universitário de João Pessoa (Unipê). Foi redator de vários jornais e editor do Correio das Artes (suplemento literário de A União). Assina, desde 2003, coluna no Portal Correio, sendo que escrevia, também, para o Impresso (hoje, extinto).

É autor, entre outros, dos livros “A Língua no Bolso” (atualmente, na 3ª edição) e “Português Descontraído”, publicados pela Alumnus/Leya, em 2013 e 2018, respectivamente.

publicidade
publicidade
© Copyright 2024. Portal Correio. Todos os direitos reservados.