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Professor Trindade

O ano era 2018. Na aconchegante e barulhenta sala dos professores do Unipê (hora do intervalo), sou procurado pelo desembargador Leandro Santos, colega de cátedra, com quem sempre conversava, e ele me diz estar preparando um livro e queria que eu revisasse:

– Vamos lá! Pode trazer que a gente revisa.

– Não, mas ainda estou preparando; vai demorar um pouco.

– Qual a temática?

– O processo da morte de Raimundo Asfora. Quero que você revise e me faça uma leitura crítica; mas seja sincero; quero fazer um trabalho de valor; diferente. E quero, também, que você vá pesquisando alguma gráfica, porque sei que você tem experiência nisso; além de escritor, é jornalista, tem noção dessas coisas.

– Bom… O senhor sabe que sinceridade é o que não me falta; às vezes, até demais; a ponto de me prejudicar.

Alguns meses depois, os originais do livro chegam às minhas mãos.

Cheguei, então, para ele e disse:

– Olha, Dr.: Esse seu livro vai ser um sucesso: um campeão de vendas.

– Você não estaria exagerando?

– Tanto não estou, que vou editá-lo. Não serei apenas revisor; serei, com orgulho, o editor desse best-seller paraibano. Realizarei um sonho antigo.

– Então, vou pegar pela palavra e você está intimado a ser, também, prefaciador.

A pandemia (sempre ela) atrapalhou o lançamento, que deveria ser em 06 de março de 2021, data da morte de Asfora, em Campina Grande.

Agora, finalmente, decidimos colocar “o bloco” na rua e o livro está aí, fazendo o maior sucesso de vendas: 150 livros vendidos em menos de 24 horas, só numa das livrarias de João Pessoa; a ponto de uma delas, a Livraria do Luiz, ter aberto no feriado de 5 de agosto só por causa do livro, segundo os proprietários, Janaína e Ricardo. Afora os inúmeros pedidos de reserva por telefonemas, mensagens; o meu Instagram “bombou” quando fiz a primeira postagem.

O lançamento virtual será nesta quinta (12/08), às 17h, no Instagram da @livrariadoluiz, em parceria com a @livrolive.

A obra é editada por mim, e marca a estreia da Trindade Editorial. A editoração eletrônica e os trabalhos gráficos são da Ideia Gráfica e Editora.

Eis meu prefácio:

Prefácio

Ao receber o livro do Dr. Leandro Santos para prefaciar, embora já soubesse que ele é não só magistrado, mas também bom escritor, imaginei, pela natureza da obra, algo técnico, “frio”, já que trata do processo relativo à morte de Raimundo Asfora.

Logo de cara, porém, percebi que estava enganado e que essa não era a proposta do autor; mas sim, partindo da análise criteriosa do processo, destacar, também, o grande tribuno e o poeta que o cearense/campinense foi.

Confesso que o estilo – de tão bom – me surpreendeu. Impressionante como Leandro, também campinense, consegue nos envolver e nos colocar na narrativa, contando tudo de uma maneira simples, gostosa, agradável e, em alguns momentos, trazendo um suspense que não nos deixa largar sequer para tomar um café.

O começo do livro lembrou minha infância.

Quando eu era menino em Patos, adorávamos – eu minha mãe – ir aos comícios. Nessa época, nos carros de propaganda os locutores denominavam de “concentração cívica”. Lembro demais que quando Raimundo Asfora ia, os carros anunciavam o destaque: “Hoje, grande concentração cívica do MDB, no Centro da cidade. Presença de Raimundo Asfora”. A presença do grande político campinense era garantia de comício lotado. Lembro demais que, na nossa rua, os vizinhos se avisavam: “ – Hoje tem comício com Raimundo Asfora; ô homem pra falar bem…”.

Não é por acaso, portanto, minha admiração pelo grande tribuno.

Qual não foi minha emoção quando comecei o livro de Leandro dos Santos e vê-lo iniciar justamente com a imagem de um carro de som que circulava pelas ruas de Campina Grande; pena que, desta feita, anunciando não a palavra do grande orador, mas a morte dele.

Destaque-se o estilo literário da descrição do dia, o narrador observando detalhes da natureza e enfatizando, de forma indireta e simbólica para o leitor, que os elementos da natureza contrastavam com o anúncio que aquele ouvia:

“Não choveu em Campina Grande naquela sexta-feira. Dia de sol, embora com nuvens que o escondiam em vários momentos. (…).  Se houve chuva não molhou o chão. Talvez uma breve garoa que deixou seco o para-brisa dos veículos. Era um dia como outro qualquer; mas aquela aparente tranquilidade desconhecia que um filho ilustre da terra havia partido de forma trágica”.

Mergulhei, então, na narrativa, já com olhos diferentes da primeira impressão.

O mais importante desse livro é que ele, sem deixar de observar todas as facetas do processo, com detalhes técnicos, farta documentação, prende o leitor com o suspense característico das narrativas policiais, mas, ao mesmo tempo, deixando transparecer a veia poética de um narrador que não esconde a admiração pelo protagonista; sem, no entanto, tomar partido em qualquer momento ou opinar sobre os acontecimentos.

Não deixa de ser interessante a gente ver uma análise neutra de um autor que atuara como juiz no próprio processo, sem deixar qualquer pista sobre a opinião dele, embora, em alguns momentos, tenha apresentado possíveis “erros” na formulação dos quesitos para os jurados. Mas, mesmo nesse momento, não apresenta aquele tom professoral que bem poderia aparecer numa obra em que se analisa um processo tão badalado, tão decantado e tão intrigante quanto foi o de Asfora.

Paralelamente – mas sempre fazendo uma ponte entre os acontecimentos e sem perder o fio narrativo –, Leandro retrata o poeta Raimundo Asfora, fazendo uma espécie de seleção e análise – sem intuito de crítica literária, claro – dos poemas. Noutro capítulo, fala sobre a vida do autor: seus sucessos, suas angústias, seus dramas escondidos sob a aura de “felicidade” de todos aqueles que conquistam a fama e são admirados. Eu mesmo fiquei estupefato com tantas revelações. A ideia que se tem de um homem como Asfora é que era feliz, bem sucedido e essas coisas que – como já disse – a gente idealiza sobre os ídolos.

Quanto à pergunta que tanto intriga e atormenta a Paraíba, mesmo há tantos anos após a morte do político, se foi suicídio ou homicídio, o autor deixou claro a mim que esse não era o foco do livro, preferindo delegar ao leitor o “veredito”. Apresenta as versões de ambos os “lados” e deixa para o leitor a decisão:

“Raymundo Asfora faleceu em 06 de março de 1987. Naquele dia, e posso dizer que sou testemunha deste fato, um carro de som circulou nas ruas de Campina Grande, pelo menos foi assim no Bairro do Catolé, informando que ele havia se suicidado. Esse episódio foi até enfrentado, ao longo da instrução criminal, mas ninguém soube dizer de onde partiu essa publicidade e alguns até disseram não se recordar deste fato ou mesmo nem saber que o fato existiu.

Como narrado, a morte de Asfora foi recebida como suicídio. As primeiras testemunhas ouvidas no inquérito policial assim se manifestaram.

Por outro lado, temos inúmeros depoimentos, do inquérito e da fase da ação penal, principalmente das pessoas mais íntimas do dia a dia de Raymundo Asfora, narrando seu estado depressivo, de tristeza, de solidão, nos dias que antecederam sua morte. De igual modo, há relatos de várias pessoas sobre Asfora ter profetizado o tempo de sua morte, fazendo menção à idade do pai, que faleceu aos 56 anos de idade. Óbvio que não estamos esquecendo outras manifestações presentes nos autos (…) que apontavam uma versão diferente: de que Asfora estava feliz, radiante com a vice-governadoria que iria assumir a poucos dias e que o projetava para planos futuros. Não seria, assim, justificável o suicídio”.

“Os jurados enfrentaram esse dilema. Os jurados estiveram diante dessas duas versões, cada uma delas plasmada por um conjunto de provas. Mesmo que tenha havido uma preponderância da versão do suicídio, não é o caso de ser feita uma contagem e apuração de depoimentos, para saber quantos existem em prol do suicídio e quantos defendiam o homicídio. O que eu quero dizer é que, nos autos, há as duas versões, que são absolutamente conflitantes. Os jurados poderiam, então, optar por uma ou por outra”.

(…)

“(…) Os fatos e as provas devem ser analisados de forma atenta. O julgamento pelo Júri Popular ocorre por meio de 7 jurados. Este livro permite um novojulgamento; não oficial, é verdade; mas com a participação de inúmeros leitores, que não poderão mudar a história do processo, mas terão a possibilidade de ser partícipes desta grande busca da verdade. Seja um juiz de fato desta causa, decidindo pela absolvição, ou não, dos réus, e firmando entendimento sobre ter havido suicídio ou homicídio”.

A história e a literatura da Paraíba ganham, neste ano de 2021, um verdadeiro presente com o lançamento dessa monumental obra de Leandro Santos. Livro para ser lido, relido, guardado e, com certeza, ficará como marco bibliográfico na Paraíba e no Brasil.

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