Observe, leitor, estes versos:
“Não repare se eu não frequento o clube
Dos que sugam o sangue das ovelhas (…)”.
“É que eu já vivo
Tão pimenta
Tão petróleo
Que se você acende os olhos
Me incendeia
Hoje em dia
Pra gente amar de vera
É preciso ser quase
Um alquimista
Ou talvez o maquinista
Do trem da consciência
Pra te amar com tanta calma
E com tanta violência (…)”.
São do poeta Salgado Maranhão, um dos maiores da poesia contemporânea no Brasil.
Lamentavelmente, perdeu, quinta-feira passada, para Gilberto Gil a disputa a uma vaga na Academia Brasileira de letras.
Não que o baiano tropicalista não merecesse, mas a poesia de Salgado é infinitamente mais trabalhada, mais burilada e tem um alcance poético nas veias social e lírica que, no meu entendimento, suplantam o autor de Domingo no Parque.
Paciência! As Academias têm seu critério e o resultado da eleição não apenas deve ser aceito, como respeitado; eleições existem para isso: escolhe-se o que é considerado, para aquele grupo, o melhor.
Aproveito a oportunidade, para fazer um apanhado bio-bibliográfico do poeta maranhense, ganhador do prêmio Jabuti de 1999, com Mural de Ventos, e parceiro de grandes compositores, como Paulinho da Viola, Ivan Lins, Zeca Baleiro, entre tantos outros:
José Salgado Santos, cujo nome artístico é Salgado Maranhão, nasceu em Caxias, MA, em 13 de novembro de 1953, filho de Moacyr dos Santos Costa e Raimunda Salgado dos Santos. Ainda menino, teve contato com a literatura de cordel. Na adolescência, mudou-se com a família para Teresina – PI.
Em 1972, conheceu Torquato Neto, de quem se tornou amigo e é convencido pelo poeta tropicalista a mudar-se para o Rio de Janeiro, onde ingressa no curso de Comunicação, na PUC. Abandona a faculdade para abraçar, em definitivo, as artes marciais, que, segundo ele, seria um meio de sobrevivência “que não briga com a poesia”.
Participou do movimento de poesia marginal, que vigorou nos centros urbanos do país, nos anos 70. Seus primeiros poemas em livro foram publicados na antologia poética Ebulição da escrivatura: treze poetas impossíveis, editada pela Civilização Brasileira e organizada por Salgado, Antônio Carlos Miguel e Sérgio Natureza.
Para encerrar, transcrevo, por inteiro, o poema (musicado) do qual tirei os versos do começo do artigo: Trem da Consciência, que me deixa arrepiado, toda vez que o escuto, tal a qualidade e maestria no trato com a palavra:
“Não espere que eu fale só de estrelas
Ou do vinho feliz
Que eu não tomei
Porque
Fora de mim
Não levo além da sombra
Uma camisa velha
E dentro do peito
Um balde de canções
Uma gota de amor
No útero de uma abelha
Não repare se eu não frequento o clube
Dos que sugam o sangue das ovelhas
Ou amargam o mel
Dessa colmeia
É que eu já vivo
Tão pimenta
Tão petróleo
Que se você acende os olhos
Me incendeia
Hoje em dia
Pra gente amar de vera
Um alquimista
Ou talvez o maquinista
Do trem da consciência
Pra te amar com tanta calma
E com tanta violência
Que a tua alma fique
Toda ensanguentada
De vivência”.