Anda o grande cronista Gonzaga Rodrigues a frequentar, assim como eu, na hora do almoço, o Shopping Sebrae.
Encontro-o em frente ao Cafezinho e o cumprimento com as palavras de sempre:
– É um prazer rever este grande cronista: o Rubem Braga da Paraíba.
Após o abraço habitual, sigo em direção à Praça da Alimentação, quando escuto o grito:
– Joãozinho!… (É assim que ele me chama).
– Fala, Gonzaga.
Ele vem bem para perto e, em tom de cochicho, exclama:
– Vou dizer uma coisa que você não vai acreditar…
– …
– Meu sonho era que alguém me chamasse, um dia, de Humberto de Campos; ninguém me chamou, até agora.
E acrescenta:
-Para mim, o maior cronista de todos os tempos é Humberto. Na época em que ele escreveu, não havia internet, rádio era caro e um privilégio de poucos e o povo lia jornal e se mandavam cartas para os cronistas. Ele era tão querido que equivalia a o que é hoje um artista de TV.
Mais ou menos essas palavras foram ditas por Humberto de Campos Filho sobre o pai, na apresentação à coleção “Humberto de Campos – Obras Escolhidas” –, na edição da “Opus”, que adquiri na década de 1980.
As palavras de Gonzaga me trouxeram saudade e fui à estante reler o meu volume preferido: “Sombras que Sofrem”.
Em verdade, adquiri a coleção por causa de um poema que li, na adolescência, e adorei: “Tu”; um sonetozinho inocente, mas tocante.
Já sabia eu que Humberto não era grande poeta, mas também já sabia que na crônica é quase insuperável (continuo com Rubem); já conhecia, desde a infância, a antológica “O Cajueiro”, lida por mim nas antologias e estudada no“Admissão ao Ginásio”.
Em “Sombras que Sofrem” o maranhense mostra a grandiosidade de cronista: simples, direto, emotivo; a maioria das crônicas são (assim como as de Rubem) pura poesia; poesia do cotidiano, como só acontece com os bons textos do gênero.
Não se podem comparar autores; sobretudo, de épocas diferentes; mas Humberto consegue ser mais espontâneo do que Rubem.
São poucos, no entanto, os altos e baixos dos dois: a emoção, o trato com a palavra, a emotividade e, sobretudo, a poesia e a maestria de tirar de cenas que passariam despercebidas a muitos verdadeiras obras de arte fazem deles os dois grandes ases da nossa crônica.
De Rubem, meu livro preferido é “200 Crônicas Escolhidas”; de Humberto, já disse em parágrafo anterior.
Humberto só cometeu um pecado (para mim, mortal) na vida: a publicação do “Diário Secreto”: um livro que manchou, sem dúvida, a reputação do escritor. Escritor tão monumental não deveria, jamais, haver publicado aquilo, conforme reconheceu uma filha, voz minoritária na família, de três irmãos, que não conseguiu, mesmo tentando muito, evitar a publicação.
Disse isso a Gonzaga, que, como fã, preferiu ficar calado.
Agradeço ao meu terceiro cronista preferido (não necessariamente o último na preferência, porque está no mesmopatamar) essa releitura. E dedico a ele este registro menor (Perdoai, Mestre!).