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Carlo Pereira

Uma previsão tardia – e com uma pitada de wishfulthinking – para não errarmos tanto em 2021

Que alívio! 2020 acabou. 

Será? Nada garante que esse ano não será um remake do passado e, até mesmo,com o mesmo elenco. Considerada um rinoceronte cinza negligenciado e não um cisne negro, nas palavras um dos maiores especialistas no estudo de probabilidades e incertezas, NassimTaleb, a pandemia não acabou. As economias seguem patinando, as democracias, instáveis em muitos países e, talvez como efeito mais nefasto, a Covid-19 acelerou a desigualdade global como demonstra o Relatório “O Vírus da Desigualdade” lançado pela Oxfam em janeiro.

Entretanto, uma diferença crucial é que nesse mesmo momento em 2020, o sentimento era de angústia pelo desconhecido e, agora, a esperança busca seu lugar. Todo o trauma coletivo que estamos vivendo há quase um ano contribuiu para refletirmos e, no caso de alguns países, a planejarmos, um horizonte mais justo, seguro, verde e inclusivo.

Dentro do contexto macro não podemos ignorar a eleição de Joe Biden, que fez do termo build backbetter seu slogan de campanha prometendo a retomada econômica ancorada no combate à mudança do clima e à desigualdade racial e de gênero. O recorde histórico de ações executivas das últimas semanas deixa claro a direção do seu governo. O Green Deal europeu e os pacotes de recuperação de vários países compõem com este movimento.

Finalmente, com os vultosos gastos dos governos no mundo todo – e particularmente no Brasil – no combate à Covid, teremos menos recursos públicos disponíveis para investimentos. Isto traz a pergunta de como as empresas podem se envolver, tanto na identificação de setores para investimentos sustentáveis, quanto na participação da criação de políticas públicas que incentivem esses investimentos e que busquem contribuir para a sobrevivência de micro e pequenas empresas e para a manutenção de empregos. As tendências conjunturais influenciam a todas e todos e vão pautar a forma como líderes empresariais atuarão no Brasil em diversas áreas.

Confira a seguir nossa seleção daquelas que consideramos astendências mais relevantes para você atuar e, por que não, ajustar as metas para 2021.

Raceto zero!!

Perdoem o anglicismo, mas é para prepará-los para esse termo que será repetido exaustivamente por todos os atores da sociedade. Raceto zero é a campanha lançada pela UNFCCC que traz um duplo sentido em seu nome. Ela remete tanto ao fim da humanidade – como diria Barack Obama e muitos outros, a mudança do clima é a maior ameaça existencial já vivenciada – quanto a corrida pela neutralidade carbônica. Fiquemos com a segunda opção.

Esse é o tema central da carta de Larry Fink lançada em janeiro de 2021. Nela, o CEO da maior gestora de recursos do mundo, a Black Rock, diz que a atenção ao Clima não é nenhuma inovação, mas sua leitura do mercado e da sociedade. Além disso, destaca que uma atuação responsável no tema é para todas as empresas – independente do porte ou segmento de atuação – e deve ser encarada como uma maneira de garantir a competitividade.

A crise climática é também considerada o maior risco aos mercados pelo Fórum Econômico Mundial pelo quinto ano consecutivo e, recuperando uma fala bem repetida em 2020, da Christiana Figueres (Secretária Executiva da Convenção Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas de 2010 a 2016) “não podemos pular da frigideira da Covid para as labaredas das mudanças do clima”. 

Governos, empresas e sociedade civil estão mobilizados para a Conferência do Clima em Glasgow, no final de 2021. Nesse encontro espera-se que todos os atores se juntem aos mais de 70 países, 1500 governos subnacionais e 1500 empresas no estabelecimento de metas para a neutralidade carbônica. O programa do Pacto Global “Ambição pelos ODS” estabelece um benchmark de metas corporativas relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Em clima, (ODS 13) ele recomenda a redução das emissões de GEE de forma baseada na ciência e alinhada à ambição de 1.5°C. Para isso, as empresas podem aderir à iniciativa Science Based Targets, apoiada pelo Pacto Global, que oferece métodos e ferramentas para que as empresas estabeleçam metas de redução de emissões de forma a alcançar os objetivos do Acordo de Paris. Siga as metas baseadas na ciência e estabeleça a sua!

Novo contrato social com ênfase em equidade racial e de gênero.

Um dos dias do WEF 2021 foi totalmente dedicado a esse tema. Não à toa. O ano de 2020 deixou mais evidente a nossa imensa desigualdade em suas mais diversas camadas (renda, raça, gênero etc.) e foi marcado pela tensão racial latente no mundo todo, tendo nos Estados Unidos sua demonstração mais forte. Talvez outra mudança evidenciada em 2020 é a percepção sobre quem pode atuar contra estas injustiças. O Barômetro da Confiança, lançado pela Edelman em 2021, constata que 86% dos respondentes nos 33 países consultados desejam que os líderes empresariais venham à frente discutir temas importantes para a sociedade. Por volta de 70% desse público espera que ações efetivas sejam tomadas pelas empresas, independentemente dos governos, e ainda que não sejam associadas às ações centrais da organização.

No Brasil, ao não representar os diferentes segmentos da sociedade, o mercado a reflete em seu machismo e racismo estrutural e institucional. Enquanto 56% da população brasileira é negra, apenas 4,7% dos cargos de liderança são ocupados por esse grupo. O mesmo se dá com mulheres, onde os 52% da população não são proporcionais aos 16% dos cargos de lideranças nas 500 maiores empresas brasileiras. E quando juntamos as interseccionalides de gênero e raça, esses números acabam reduzindo a menos de 1%. Não por acaso o grupo de mulheres negras foi o mais afetado pela pandemia.

Aqui residem duas dimensões:  a moral e a de negócios. A dimensão moral mostra que não podemos observar essas disparidades sem agirmos. Já a oportunidade de negócios alerta que diversos artigos e estudos comprovam maior retorno em diferentes dimensões para as empresas mais diversas.

A Rede Brasil do Pacto Global possui um programa chamado Equidade é Prioridade para ajudar as empresas a internalizarem o tema adequadamente e estabelecerem metas audaciosas para a inclusão de mulheres em cargos de alta liderança. Esse ano também lançaremos parcerias e ações concretas para guiar os quase 1200 membros da Rede na temática de equidade racial.

Na era da hiper transparência e hiper conectividade não há espaço para ser low profile: aja e comunique suas ações. Escute efetivamente seus públicos de interesse, migre urgentemente para a economia de stakeholders. Dê mais atenção à capacitação constante do público interno, fortaleça ações que combatam a desigualdade, fortaleça suas práticas de investimento social privado, seja fonte confiável de informações e seja protagonista nas discussões da sociedade. Como as empresas tratarão sua responsabilidade social – espectro mais lato sensu do termo – dirá se haverá uma retomada pós-pandemia mais justa e inclusiva.

Saúde mental 

Essa é uma das marcas que a pandemia deixará durante um bom tempo. Na verdade, esse tema sempre foi negligenciado pela sociedade e pelas empresas. Pesquisa do Ministério da Saúde revela que quase 90% das pessoas estão ansiosas por conta da pandemia e quase metade apresenta moderada presença de transtorno pós-traumático. Antes disso, a OMS alerta que, no geral, o ambiente de trabalho não é bom para saúde mental. Todos concordam que o principal ativo de uma organização são suas pessoas. 

Portanto, para além de uma visão paliativa das patologias envolvendo a saúde mental, precisamos pensar nesse tema como uma estratégia de negócios em uma visão positiva e holística. Neste sentido temos acompanhado um movimento do mercado com empresas criando áreas e funções sobre saúde mental. Sem dúvida, essa é uma tendência que irá crescer.

Amazônia e biodiversidade 

Um fato curioso: recentemente, a imprensa destacou uma empresa brasileira com dificuldades para exportar maçãs para o Reino Unido por conta do desmatamento na Amazônia. Nota: a produção de maçãs fica a mais de 3000 km do bioma.

O ano de 2020 colocou as queimadas recordes na Amazônia constantemente na mídia e na mesa de negociação entre empresas, investidores e governo. Estudos importantes ajudaram a inflamar os ânimos, como o estudo Global Futures, da WWF, demonstrando que, nesse ritmo, a perda de biodiversidade no planeta pode gerar prejuízos de dez trilhões de dólares por volta de 2050. Houve mobilização da sociedade civil aqui e lá fora, fazendo com que investidores estrangeiros desinvestissem de empresas brasileiras e pressionassem o governo pelas vias diplomáticas. Neste cenário, a depender das decisões político-econômicas tomadas, Europa e Biden poderão ser grandes aliados no combate ao desmatamento e ao mesmo tempo gerar prejuízos para nossa balança de exportação. 

As empresas têm um papel fundamental nessa discussão, dando transparência aos dados sobre seu impacto negativo na biodiversidade e sobretudo sendo proativas em ações de manutenção da floresta em pé. Além disso, precisam ajustar a percepção de que estão muito longe de Amazônia para poderem agir. O Brasil é afetado enormemente pelo que acontece nesse bioma: além de grande papel na regulação do clima regional, a floresta Amazônia também impacta o regime hídrico em todo território nacional. Sem contar a fonte de imensos recursos advindos do gigantesco potencial de exploração sustentável da biodiversidade no país. Neste sentido, a coalização Amazônia Possível estabelece princípios e diretrizes de como contribuir para o desenvolvimento sustentável na região, preservando o meio ambiente e deixando a floresta em pé.

Finalmente, e para um pouco além da Amazônia, é fundamental que as empresas contribuam para a implantação de novos modelos sustentáveis de produção e consumo que já estão disponíveis, mobilizando toda a sua cadeia para esse tema.

ESG. ESG. ESG.

O mercado financeiro está cada vez mais alinhado com o tema da sustentabilidade e o ano de 2020 foi definitivo para essa discussão no Brasil. Em meados de março houve dúvidas se essa agenda permaneceria, mas o que aconteceu foi uma aceleração e consolidação impressionantes – talvez um dos poucos legados positivos da pandemia. 

No Brasil, as empresas estão reagindo fortemente. Se no passado havia dificuldade de chamar CEOs para discutirem os fatores ESG, em 2020 tivemos no Pacto Global a participação de mais de 100 deles em diversas iniciativas. Larry Finkchamou essa tendência do mercado rumo ao ESG de movimento tectônico e frisou que ele está em enorme aceleração. Nunca se investiu tanto e nunca se cobrou tanto das empresas por maior diligência quanto aos temas ambientais, sociais e de governança. Assim, saiam da fase de negação os que ainda estiverem. Esse tema já é o principal driver de mercado para os próximos anos. 

Esperamos ter elucidado um pouco este ano e contribuído para o enfrentamento dos enormes desafios que todos nós temos à frente.

Carlo Pereira, diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global, com colaboração de Rodolfo Sirol, presidente do Conselho da Rede Brasil do Pacto Global, Barbara Dunin, diretora de relações institucionais da Rede Brasil do Pacto Global, e Marcelo Linguite, diretor de projetos, operação e mobilização de recursos da Rede Brasil do Pacto Global.

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