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Professor Trindade

Sempre fui muito ousado. Em 1973, com apenas 16 anos, resolvi inscrever uma composição minha num festival anual de música de carnaval, promovido pela Prefeitura Municipal de João Pessoa.

Não faltaram desencorajamento, risos maldosos e descréditos. Diziam: – Bobagem. Isso é ridículo! Tu és um menino; tua música não passa nem pela triagem.

Todo festival de música que se preze tem uma fase chamada triagem (seleção em que se escolhem as que serão apresentadas e continuarão concorrendo e eliminam-se as demais concorrentes), eliminatórias e final. Nesse, eram três eliminatórias, cada uma com 12 músicas; a final com as 12 melhores. Havia premiação em dinheiro para o primeiro lugar e as que fossem escolhidas para a final ganhariam como prêmio a gravação de um acetato individual: uma espécie de compacto simples. E tais “compactos” seriam tocados em todas as emissoras de João Pessoa.

Meu maior sonho era gravar um disco. Tanto que, com 12 anos, morando em Patos-PB, mandei uma carta para a gravadora Rozenblit perguntado como era e quanto custava a gravação de um compacto simples. É claro que não obtive resposta. Certamente, viram pela letra que a carta era de uma criança!…

Mas voltemos ao festival. Antes de inscrever a composição, mostrei aos colegas, num dos nossos encontros diários, na Praça dos Motoristas (Jaguaribe). Chacota de quase todos. Acusaram minha música “Bloco da Saudade” de ser plágio de “Bloco da Solidão”, que fez grande sucesso com Altemar Dutra. Mas eu estava disposto a concorrer, embora em dúvida.

Quem aparecia quase sempre para os nossos papos, apesar de bem mais velho e famoso – nós éramos adolescentes; ele, já maduro – era o compositor Livardo Alves. Os colegas instigaram: – Olha, Livardo: esse maluco, com essa idade, quer participar de um festival de música de carnaval, profissional. O astro “me encheu a bola” e de esperança:

– Qual o problema? O que tem idade a ver com isso? Deixa o menino tentar…

– Mas a música é um plágio. Algum “espírito de porco” argumentou.

– É, realmente, Livardo… Estou com medo, porque está todo mundo achando que é um plágio de “Bloco da Solidão” – afirmei.

– Mostre a música!… Disse o grande compositor.

Cantei, sob os olhares incrédulos e desconfiados dos meus companheiros.

Quando terminei, o autor de tantos grandes sucessos de carnaval vaticinou – para minha alegria:

– Nada disso. Não é plágio. Apenas tem a mesma linha melódica. Ainda hoje acho que Livardo disse aquilo para me encorajar…

– Inscrevo? Disse eu.

– Inscreva. Garanto que não é plágio.

Minha música foi selecionada. Apresentei-me na terceira eliminatória.

Antes, porém, aconteceu um episódio revoltante. Inscrita a composição, se ela passasse para a próxima fase era necessário, além de cópias da letra e gravação em fita, entregues antes, partitura e arranjo, obviamente confeccionados por um maestro. Indicaram-me um maestro desonesto, cujo nome não vou, evidentemente, mencionar, mas nunca esquecerei, que me cobrou uma quantidade de dinheiro inalcançável para mim.

Como disse que não teria condições de fazer, ele, na maior sem-cerimônia, afirmou:

– Se você fizer o arranjo comigo, sua música será classificada para a final e você realizará o sonho do acetato e de ouvir sua voz cantada nas rádios.

Saí, chorando, em busca do ponto de ônibus. Aquela foi, sem dúvida, uma das piores noites da minha vida. Ainda tentei arranjar o dinheiro com um tio, mas não consegui. Ele até esboçou uma ajuda, mas foi impedido pela esposa.

Fui salvo pelo tenente Lucena, pai de uma colega: moravam pertinho da minha casa. Fez partitura e arranjo, gratuitamente, com uma boa vontade e sorriso cuja lembrança ainda hoje carrego comigo.

Feito o arranjo, outro problema, que lembrava a célebre música de Noel:

“Com que roupa”?

Eu não tinha roupa adequada e numa apresentação não se admite que se cante com roupa comum.

Chegou o dia. Já quase na hora e eu sem saber com que me vestir adequadamente. E agora? Foi aí que um colega lembrou-se de um cara que morava próximo e tinha um blusão jeans. Um blusão jeans me daria um “toque” de artista. Eu nem lembro o nome do rapaz, que eu nem conhecia direito. Nunca esqueci o favor, nem a fisionomia dele: ainda hoje o lembro. Só não consigo lembrar-lhe o nome: parece que era Beto ou Vandick. Beto (ou Vandick), que nem me conhecia direito – daí a grandeza do gesto – me emprestou o blusão.                   

Às 21 horas, após a apresentação de algumas músicas, entrei no palco. Os jurados iam classificando – ou não –, um por um, os candidatos. Quando acabei de cantar, escutava, nervoso, o comentário de cada um deles, ali, “na minha cara”.

Lembro que o placar estava empatado. Restava só o voto da maestrina Dalvanira Gadelha, responsável pelo setor de musica e regente do coral do Lyceu Paraibano (nesse tempo, eu estudava no Colégio Estadual de Jaguaribe). Meu destino estava, portanto, nas mãos dela. Veio o baque. Minha composição foi desclassificada. Ela disse que minha música não chegava a ser um plágio, mas tinha a mesma linha melódica de “Bloco da Solidão”.  

Saí com um nó na garganta. Havia revolta. Não pelo resultado, mas porque sabia que era jogo de carta marcada.                    

Um ano depois, no Lyceu, fui fazer um teste com a maestrina do coral do estabelecimento (eu já estudava lá – no primeiro ano do segundo grau). Ouvira falar que era muito exigente; chamavam-na de dona Dadá. Sabem quem era dona Dadá? Simplesmente Dalvanira Gadelha! Não só fiquei no coral, como era requisitado por dona Dadá para todos os espetáculos do Lyceu: teatro, locução, apresentação de espetáculos, apresentação musical…

Em 7 de setembro de 1976 (eu já no terceiro ano), ela escolheu um poema meu em homenagem à data, que eu iria recitar, no auditório do educandário.

Não recitei. Alguém recitou por mim. Nesse dia, eu estava num festival nacional, em Salvador, Bahia, representando a Paraíba (cada estado da federação selecionou um poeta), após vencer um concurso feito entre todos os secundaristas de colégios públicos e particulares do nosso estado.

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