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Professor Trindade

Quando cheguei a João Pessoa, com 14 anos, em 1971, as duas coisas que mais me chamaram a atenção foram as cigarras de Jaguaribe, no caminho para o colégio estadual do mesmo nome, e o uso da interjeição “Varei”!

O que seria “varei!”? Não demorou para que eu percebesse que a expressão equivalia ao “Mas passe o pano!”, do povo de Patos (anos 1960/70).

Nunca mais ouvi o “Varei!”. Lembrei-me dele essa semana. Uma das coisas de que não sei é de onde se origina, etimologicamente, tal expressão. Por mais que pesquise, não consigo encontrar.

Intrigante é que o “varei” tem uma variante: “vaqueiro”; sabe-se lá por quê.

Diante disso, resolvi, então, falar sobre algumas expressões populares; a maioria delas corruptelas da língua-padrão. E mais que isso: da linguagem dita culta. Vamos lá:

  • Oxente
    Uma das expressões mais belas que conheço. Bem nordestina. Acho ridículo quando alguém me corrige (sempre a uso na linguagem coloquial) e diz que o certo é “oh, gente!”. Não, não é. Oxente realmente vem de “oh, gente!”; mas tomou uma independência tão grande, que hoje é outro vocábulo, com outro significado. Oxente é interjeição de repulsa:

    “Oxente, home; tu tá ficando doido, é?”
  • Varei
    Interjeição de admiração e, ao mesmo tempo, ironia e reprovação. Equivale a o “Mas
    passe o pano!” da cidade de Patos: “Varei! Eu num disse isso não!…” (substitua por “Mas passe o pano!”, que o sentido é o mesmo).
  • Vai de ré, satanás!…
    Muito usada em Piancó. É uma corruptela do latim: “Vade retro, Satanás!”
  • Prumode (mode)
    Certamente, veio de “por molde de” (modelo). Como o matuto não assimilou “por molde”, criou o “prumode” (variação: mode), que é muito mais fácil de pronunciar.

    “Não vou lá prumode (ou mode) ela me expulsou da casa dela um dia” (termina equivalendo a porque).
  • Truvo
    Saudade de Zé Doca (MA). Eu, no alpendre da fazenda Tambaú, às margens da BR-316, e conversando “brebote” (besteira) com meu cunhado Francisco Jerônimo, dono das terras. Eu era nada mais que um menino e me intrigava quando os moradores diziam:

    – Tá ficando truvo, seu Chico!

    Nunca perguntei a ninguém; não sou de perguntar. Quando não sei uma coisa, vou pesquisar. Truvo nada mais é do que a corruptela de turvo (escuro). Quer dizer: o matuto usa os termos cultos; apenas subverte-os, pela corruptela da língua. Naquela parte do Maranhão, quando está escurecendo, diz-se: “tá ficando truvo…”.
  • Cagado e cuspido
    A expressão é uma corruptela de encarnado e insculpido:

    “Ele é o irmão cagado e cuspido.”

    Em outras palavras, é a encarnação do irmão (não no sentido espírita, mas no sentido plástico, físico) e insculpido com a mesma fôrma do irmão.
  • Pinotar = Pular
    Numa calçada de um dos colégios da capital, observo um pai dizer ao filho pequeno,
    que estava pulando em excesso, com sinal de revolta:

    – Vá, pinote; pinote mais, que eu quero ver!…

    A linguagem popular às vezes muda até as classes das palavras. As gramáticas trazem o
    advérbio “certamente” como “de afirmação”. Não é mais. Hoje em dia, quando se diz
    certamente (graças à força da linguagem popular) está se expressando uma dúvida:

    “Certamente ele virá hoje; não sei.”

    E concluímos nossa análise com versos de Manuel Bandeira:
    “- Capiberibe
    – Capibaribe
    – Capiberibe
    – Capibaribe
    Língua errada do povo,
    Língua certa do povo.
    Porque nós o que fazemos
    É macaquear a Sintaxe lusíada.”.

    (Transcrito do meu livro: “Português Descontraído”, editora Alumnus/Leya, páginas 86
    a 89).
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