Setembro de 1976. Éramos um grupo de jovens poetas e poetisas sonhadores, que estávamos em Salvador, Bahia, para concorrermos no II Concurso Secundarista Nacional de Poesia Falada, promovido pelo Colégio Severino Vieira, com o apoio do governo do estado da Bahia e Desenbanco. Havia só um concorrente de cada estado; este, escolhido por concurso entre representantes secundaristas de colégios particulares e públicos de todo o país.
Eu estudava no Lyceu Paraibano. Ganhei o concurso no estado, com o poema “Realidade” e fui representar a Paraíba.
Aquilo era um grande sonho e, ao mesmo tempo, uma grande realização paraum jovem pobre, interiorano, “sem parentes importantes e vindo do interior…”.
Nem Salvador eu conhecia. Portanto, para mim, só conhecer Salvador, a terra de Jorge Amado, já era demais…
Fomos recebidos pelo homem mais gentil que conheci: Luís Nonato Minas. Uma pessoa visceralmente educadora. Respeitada e respeitosa. Foi encarregado pela diretora, Amália Paranhos, de nos ciceronear.
Ficamos em dupla, em cada quarto de hotel. Fiquei com o representante de Pernambuco, de cujo nome não me lembro.
Houve um dia – e aí é que Margarida entra na história – em que todos fomos fazer um passeio pela cidade. Conhecemos, evidentemente, o Pelourinho, o Iguatemi Shopping (foi a primeira vez que vi um shopping – não precisa dizer que fiquei embasbacado), a Lagoa do Abaeté (“arrodeada de areia branca”; branquíssima!), a casa de Jorge Amado…
Apesar de concorrentes, entre nós não havia o espírito doentio de competição. Salvo um ou outro, éramos pobres e a maioria não conhecia Salvador. Estávamos embevecidos, encantados!
Fomos ao mar… Sim, fomos ao mar, ao Farol da Barra… Lá, tiramos fotografia.
Mas… e Margarida?
Bom, Margarida entra agora.
Entre os poetas e poetisas que procuraram se aproximar de mim, estava a jovem Porto-alegrense Margarida Tzovenos. Uma poetisa que, pelo poema com o qual concorreu, já prometia.
7 de setembro de 1976 foi o grande dia!
Não tenho certeza de quem foi o ganhador, mas creio que o representante do Maranhão, com o poema “Medicância”. Margarida Tzovenos concorreu com o poema “Somente o Vento”.
Viemos embora.
Dias depois, em 17 de setembro de 1976, recebo um cartão postal terno, carinhoso (no sentido de amizade, claro!) de Margarida, “oferecendo” o pôr do sol de Porto Alegre a mim (ver foto).
Quanta alegria! Não só por ela haver se lembrado de mim, como pelas palavras de confiança e estímulo no cartão:
“Olá, João, tudo bem?
Como é, você tem escrito? Espero que sim, pois você ainda vai longe. Eu estou sempre escrevendo alguns versos, pois acho que a gente nunca deve desistir (…)”.
Pois não é que encontro, há uns três ou quatro anos, num sebo, um livro de poemas de Margarida Maria Tzovenos?
O livro: “Olhos de Outono”; editora Tchê, 1985.
A obra é uma delícia. E de uma qualidade poética inquestionável! Lírico, sem ser piegas; com uma visão crua, mas não angustiante, da realidade. Cada página nos envolve e enleia de forma tal que “entramos” na angústia serena do “eu lírico”, que transmite desencanto, mas não desesperança. E não precisa dizer que o manejar da linguagem é de uma poetisa madura, que já demonstrara, precocemente, tal maturidade, naquela realidade distante de 1976.
Dos 30 poemas do livro, o que mais me tocou, pela mistura de sensibilidade e qualidade poética foi “Recordação”:
Finda setembro
e eu lembro você
Chega outubro
e eu me descubro lembrando você
Em algum desses dias
essa ausência, esse último brinde
com o amigo distante baterá à minha porta
carregada de multiplicadas feridas
por isso me amplio do jeito que quero
por isso ainda te quero
Finda setembro
e eu lembro você
de mês em mês me construo
refaço o mel
em outubro
eu te descubro inteiro
Praticamente todos os poemas do livro são bons; mas, além de “Recordação”, destaco
os genais poemetos: IV, V e VI:
IV
O verão
é um sonolento cão
estendido
na varanda
V
Minha gaveta cheia de naftalinas
guarda um caderno
que guarda poemas
onde me guardo
VI
Dancei…
fiz da minha vida
um bordado de toalha
E, encerrando essa pequena seleção, o poema “Ao que vier”:
Quem virá
terá do gosto preso nesta rolha
Terá do amor
a louca lucidez, um verso
um terço do meu corpo
que é um pássaro em agonia
luz do dia
pois o resto já não me pertence
Além das palavras entusiasmadas e elogiosas de Gilberto Gil na primeira “orelha” do livro, ainda há, na contracapa, comentários positivos de Millôr Fernandes e Lya Luft.
E, nas cabeças daqueles então jovens poetas, é sempre setembro!…
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