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Professor Trindade

Transcrevo, hoje, artigo (publicado ontem, no jornal A União) do amigo Sérgio de Castro Pinto, sem dúvida o maior poeta paraibano vivo, sobre meu livro “O Estranho Professor de Violão”. Não dá para definir a honra, regozijo e satisfação que tive. Eis o texto:

“Os acordes de Trindade

Sérgio de Castro Pinto

Osman Lins não conheceu o rosto da mãe sequer através de fotografias. Ela faleceu de complicações do parto dias após dar à luz ao autor pernambucano, que se foi dessa vida com apenas 54 anos de idade, em plena efervescência criativa. Ter-se tornado escritor, disse algumas vezes, “resultou nessa busca do rosto desconhecido”.

Tais considerações surgiram após a leitura que fiz do prefácio de Hildeberto Barbosa Filho ao livro “O Estranho professor de violão” (Ideia Editora, João Pessoa, 2022), de João Trindade. Mais exatamente quando faz menção a Roland Barthes, segundo o qual, “não houvesse pai, talvez não existisse literatura”.

A hipótese do filósofo e ensaísta francês pode soar como uma boutade, como uma frase de efeito, mas não deixa de provocar algumas reflexões, mais ainda por ela ter sido citada pelo fato de João Trindade, ainda criança, ter perdido o pai. De ter-lhe faltado, a partir de então, um esteio, um ponto de apoio, de equilíbrio, na proporção em que o enfrentamento da vida passou a ser uma espécie de arriscada acrobacia num trapézio sem rede de proteção. Por outro lado, certamente contava com o apoio da mãe, mas, naquele tempo as mulheres eram do lar, domésticas, recatadas, acuadas, por mais que tentassem superar as limitações que lhes eram impostas por uma sociedade ostensivamente patriarcal. 

Para alguns escritores, a linguagem seria uma espécie de rede protetora que torna menos insuportável o fardo da existência. Há até mesmo quem afirme escrever movido por uma sensação de “não estar de todo”. Daí acreditar que, qualquer que seja a circunstância, o escritor é um órfão do mundo, um inadaptado, um desaclimatado, entoando na sua obra, recorrentemente, uma espécie de “canção do exilio aqui”. Aliás, Fernando Pessoa e Ferreira Gullar compartilham a dependência do escritor à literatura, às artes, utilizando as mesmas palavras. Eis o que nos diz o poeta português: “A literatura, como toda a arte, é uma confissão de que a vida não basta”. E o brasileiro: “A arte existe porque a vida não basta”. José Lins do Rego não foge à regra: “Uma coisa continua firme no homem de quarenta anos, continuo a acreditar na literatura como coisa substancial à vida e essencial para a grandeza do homem. Aquele dar forma poética ao real de Goethe é o que salva o homem de ser somente um monstro de escuridão”.  

João Cabral de Melo Neto imaginou, num dos seus poemas, a presença de Willy Lewin, mesmo morto, debruçado sobre as suas costas para aprovar ou não o que ele escrevia. No caso de Trindade, a presença do pai não é para concordar ou discordar a propósito do que o cronista escreve, mas uma falta que o narrador procura suprir, preencher, através da linguagem. Isso sem contar que, conforme observa Hildeberto Barbosa Filho, “o destino trágico do pai, por um lado, e, por outro, esta identificação com (…) a música de índole romântica”, que também “conta histórias de amor, perdas e sofrimentos”, compõem o leitmotiv e a trilha sonora da “organização sensível e intelectiva do cronista João Trindade”.

Imagino o cronista à semelhança de um camelô ora vociferando a céu aberto, vendendo o seu produto, ora se fechando em copas, conversando com os seus botões, consigo mesmo, mas procurando fazer, em ambos os casos, com que o que ele diz, escreve, repercuta entre os que se aglomeram ao seu derredor.

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Não se pretende aqui postular o princípio segundo o qual o falecimento precoce da mãe ou do pai de um escritor assegure qualidade estética ao que escreve, mas, tão somente, que tal circunstância pode repercutir na sua escrita.

O poeta, obviamente, não é grande pelo simples fato de sofrer. Tampouco uma vida cheia de percalços, de emoções, vai garantir a fatura ou a elaboração de um bom romance. Enfim, não é pela experiência vivida que uma obra ganha em qualidade, mas “pela experiência literária que o seu autor sabe lhe comunicar”. E quanto ao “camelô” Trindade, devo dizer que ele extrai harmoniosos acordes desse “O Estranho professor de violão”, mescla de literatura e vida.”. (A União, sexta-feira, 21 de abril de 2023).

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