Ando deveras preocupado com o festival de “crases” que atualmente grassa nos jornais, portais, petições, despachos, sentenças judiciais; isso sem contar as redes sociais (essas, nem se devem levar em consideração!). Parece que o pessoal está pensando que o acento grave da crase é enfeite: é “crase” antes de masculino; antes de verbo; antes de nomes de localidade que não admitem o artigo A. Um horror!
Como já falei demais, em colunas anteriores, sobre a regra geral da crase (essa é que não estão mais usando mesmo!), vou me ater, nesta coluna, às regras específicas.
Regras específicas
1. Não ocorre crase:
a) Diante de palavras masculinas: Graciliano escrevia seus romances a lápis e depois os passava para a máquina de escrever.
Evidentemente, se antes do masculino vier em elipse (subentendida) uma palavra feminina, haverá crase; não devido à expressão masculina, mas à feminina. E isso é a regra; não exceção, conforme afirmam alguns.
Exemplo: Ele se veste à [moda de] Roberto Carlos.
b) Antes de verbo: O rapaz pôs-se, então, a afirmar coisas sem qualquer sentido.
c) Nas locuções com palavras repetidas: Estava frente a frente com o inimigo, mas não atirou.
d) Nas expressões adverbiais de instrumento: Ele foi ferido a bala.
e) Quando tivermos A + palavra no plural: Ele estava a léguas da cidade.
f) Antes de artigo indefinido: Dedicou-se a uma mulher sem escrúpulos.
d) Antes de pronomes, de um modo geral*. Alguns exemplos:
Ele se dedicava a alguma desconhecida.
Esta é a mulher a quem dei meu amor e a cuja dedicação visava.
Entreguei a ela a minha vida e ela, a dela a mim.
Dirijo-me a V.Exª para requerer licença-maternidade.
*Diante de pronomes possessivos, a crase é facultativa:
Dedico este poema à (ou a) minha mãe.
2. A crase é facultativa:
a) Diante de pronomes possessivos femininos (ver item anterior).
b) Depois da preposição “até”: Vou até à (ou a) cidadezinha referida.
3. Usa-se a crase:
a) Nas expressões adverbais femininas de tempo, modo e lugar:
Cheguei à tarde à fazenda (tempo + lugar, respectivamente).
Deixei tudo às claras para ele (modo).
b) Nas expressões prepositivas e conjuntivas:
Estava à espera de você (prepositiva).
À medida que sofria, adoecia (conjuntiva).
c) Diante dos pronomes senhora, senhorita, dona (como tratamento): Referia-me à senhora sua mãe, ainda há pouco.
4. Palavras casa, terra e distância
As palavras casa, terra e distância só aceitarão a crase se estiverem especificadas:
Cheguei a casa, logo cedo.
Chaguei à casa de minha mãe, logo cedo.
Enfim, os astronautas pisaram a terra e foram à terra em que nasceram, de imediato.
Ela estava a distância e não a vi.
Ela estava à distância de dez metros dele.
5. Indicação de horas
Admitirá crase quando houver especificação:
Cheguei às onze horas.
Cheguei à uma da manhã.
A uma hora morta, despedimo-nos.
6. Nomes de localidade
Para se usar a crase com nomes de localidade, deve-se lembrar da seguinte trovinha:
“Se quando eu venho, venho DA,
Quando vou, craseio o A.”
Exemplos:
Vou à Bahia.
Venho DA Bahia.
Vou a Piancó.
Venho de Piancó.
7. Ambiguidade sintática
Usa-se a crase (mesmo com verbo transitivo direto) para se desfazer ambiguidade sintática (a ambiguidade não é semântica: o sentido não se compromete, mas sintaticamente há confusão):
Observe as seguintes construções:
Venceu a doença o remédio.
Qual o vencedor? Há confusão entre o sujeito e o objeto.
Para se desfazer a ambiguidade sintática, coloca-se a crase:
Venceu à doença o remédio.
(Agora, sabe-se que o remédio foi o vencedor).
Atenção!
Deve-se ter muito cuidado com a seguinte estrutura:
Eu me referi à moça que chegou agora, e não à que saiu há pouco.
Note que a crase da segunda oração existe porque antes do pronome “que” está subentendida a palavra moça.