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Edilson Pereira Nobre Júnior

                        Humano, a imortalidade escapa ao escritor. É um traço de sua obra, que vive e se pereniza pela leitura. O instável curso da vida muitas vezes não propicia que aquele possa pôr à luz do público a sua criação. Por isso, a fortuna do autor está em alguém que torne os seus escritos conhecidos, quando não mais possa fazê-lo.

                        Falecido tragicamente em 1961, Ernest Hemingway deixou, no momento, uma vasta produção. Por uma zombaria da sorte, Mary, sua quarta esposa e viúva, apareceu no escritório de Charles Scribner Jr., portando uma grande sacola de feira, contendo fotocópias de material inédito escrito por seu esposo.

                        Dentre os vários trabalhos, incluindo-se três de maior envergadura, chamou atenção o texto “O jardim do Éden”, decidindo o editor que, mesmo não estando terminado, haveria de ser publicado, por ser de uma riqueza notável.

                        De fato. O texto, provavelmente escrito logo após a Segunda Guerra, narra a rotina de David Bourne, escritor norte-americano, durante uma temporada com sua recente esposa, Catherine, na Riviera Francesa.

                        Ela, jovem, milionária, e excessivamente excêntrica, fazia um tipo feminino que se já constara antes noutra obra de Hemingway, como se pode ver de Lady Brett Ashley, jovem viúva inglesa, personagem de seu primeiro romance (O sol também se levanta).

                        Tal como a formidável Brett,é possível ver em Catherine o traço que Leonardo Padura[1], admirador incondicional de Hemingway, refere à mulher que vai por onde não se espera.  E, muito mais do que isso, dotada de uma imaginação sem limites, cujos pensamentos se transformavam em sonhos.

                        Pois bem. Considerando que uma lua de mel, se prolongada, não escapa à monotonia, Catherine preparou, dentre várias, uma surpresa com um toque de transgressão. Trouxe ao covil dos amantes Marita (a pequena Mary), milionária também. Restou formado um animado triângulo amoroso, no qual a intrusa interagia com ambos os consortes.

                        A narrativa – como o erotismo impõe – foi permeada de uma delicadeza sem par.

                        Doravante qualquer avanço de minha parte equivale a esbulhar o território cuja posse é exclusiva do leitor. Não posso, contudo, deixar que passe despercebida a percepção de Agustina Bessa-Luís ao final de numa narrativa bela, porém triste, quando diz “que as mulheres situam todo o seu bem no destino que atribuem ao homem amado”[2].


*O autor é o atual ocupante da Cadeira nº 36 da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras.

[1] Febre de cavalos. São Paulo: Boitempo, 2022, p. 30.

[2]Fanny Owen. 6ª edição. Lisboa: Relógio D’Água Editores, julho de 2019, p. 196.

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