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Professor Trindade

“O Estranho Professor de Violão”

É o título do livro que lançarei, quinta-feira próxima (27/10), às 17 horas, no auditório da OAB-PB.

Trata-se de uma seleção de crônicas escritas por mim, nos jornais O Norte; Correio da Paraíba; O Momento; e A União.

Quando falo aqui em crônica, refiro-me à crônica assim considerada literariamente; ou seja: narrativa de fatos do dia a dia, mostrando o cotidiano, com um leve toque de ficção: um misto de jornalismo e literatura.

A produção vai desde 1978, quando publiquei minha primeira crônica em O Norte, sob a editoria de Evandro Nóbrega, que muito me incentivou a praticar o ofício, até publicações mais recentes (2022), no Portal Correio.

O prefácio da obra é do crítico literário e poeta Hildeberto Barbosa Filho, membro da Academia Paraibana de Letras, e o posfácio, do editor deste portal, Alisson Correia.

Transcrevo trechos dos dois, respectivamente:

“Um buquê de rosas abandonado na calçada; uns feirantes que passam; uma coruja que adentra a casa de repente; uma carta ao filho; a saudade de um bairro; os episódios da infância na terra natal; os cuidados maternos e a morte do pai, entre outros acontecimentos e vivências que habitam o receptáculo da memória afetiva, compõem o tecido translúcido das crônicas que João Trindade reúne neste O estranho professor de violão.

Não descartando o ingrediente ficcional que pode atravessar a matéria concreta e factual da crônica, naquilo que ela possui de real e imaginário, sem elidir, no entanto, a componente imaginária que lhe é intrínseca, o autor recorta certos tópicos do passado vivido, dentro de uma clave subjetiva caracterizada sobretudo pelo fervor da emoção e pelo selo da empatia com que apreende certos detalhes que o ato de existir exibe e oferta na magia inesperada e surpreendente do cotidiano.

A crônica do professor João Trindade, cujo arco temporal se distende entre 1978 e 2022, procura privilegiar o tom narrativo, bem próximo do conto ou “causo”, em que pesem os vetores referencias que transpassam o critério artístico da verossimilhança, para incidir sobre a palpabilidade do real, com seu repertório de dados simultaneamente ordinários e extraordinários.

A bem dizer, suas crônicas abordam motivos temáticos que constituem pequenos relatos de situações e episódios de que ele, na qualidade de observador e intérprete, sensível principalmente à riqueza dos detalhes, participou, ou, na distância possível, intenta reelaborar por meio da transfiguração literária que o gênero exige na tessitura das palavras.

Aqui e ali, ao sabor do ritmo narrativo, o mundo do dia a dia, as pequeninas aventuras da rotina, a vida mesma como ela é, para lembrar Nelson Rodrigues, como que se desvenda sob as espátulas estéticas que o cronista aciona, a lhe realçar a singularidade, o calor lírico, o traço jocoso, a nota trágica, ao mesmo tempo em que o seu olhar se impõe na modulação que reflete, descreve e pensa. Isto é, narrando, o autor também observa e medita.

Dois aspectos, entre outros, parecem-me essenciais na ordem de suas prioridades semânticas. São eles a figura do pai e o sentimento de amor à música. Lá, a evocação dolorida de uma morte traumática, que marcou para sempre o cristal da memória do narrador; aqui, as diversas alusões, por dento das malhas textuais, a nomes, vozes, composições e letras do nosso cancioneiro popular.

“Lembranças da morte” e “Em nome do pai”, recuperam, em timbre elegíaco e dramático, a experiência radical do falecimento chocante da figura paterna, estranhamento previsto, em sonho, pelo então menino de cinco anos. Em “Lembranças da morte”, reflete o cronista: “{…} Ele não foi assassinado, é certo; mas morrer no mesmo dia, na mesma manhã da minha previsão? … Fico me perguntando como uma criança que nunca houvera visto um revólver teria visto em sonho. E a mulher? Seria uma metáfora da morte?”. (…)

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Conheci o Professor Trindade quando, como editor de Jornalismo do Portal Correio, passei a receber, revisar e publicar os textos da coluna semanal dele no veículo. A cada vez que ele envia os arquivos e manda a mensagem “acabei de enviar a coluna. Abraço, mestre”, eu me apresso para ler. A pressa é tanta que às vezes até demoro a respondê-lo com a confirmação de recebimento. Sem falar que ser chamado de “mestre” por um mestre me envaidece, ainda que eu não me sinta digno da carinhosa titulação. 

Mesmo sem nunca ter dividido uma sala de aula com o Professor Trindade, ele me ensina, emociona e me faz refletir com os textos semanais sobre amor, família, passado e presente e até mesmo sobre machismo, feminismo e violência, de formas muito descontraídas, com profundidade, mas sem a densidade temerosa que alguns desses temas costumam impor. Você percebe isso nas crônicas “O Inocente”, “Minha Mulher é Amélia” e “Cenas da Infância”, por exemplo.

Quando digo que ele me ensina sem que nunca estivéssemos em uma sala de aula, não me refiro somente às abordagens das crônicas que estão nesta obra, mas em outros textos, nos quais ele nos traz dicas práticas e extremamente didáticas sobre nossa Língua, reunidos nos livros “Português Descontraído” e “A Língua no Bolso”. 

Aqui, em “O Estranho Professor de Violão”, você tem a oportunidade de experimentar um pouco dessa vivência que tenho com o Professor Trindade. O título da obra é o mesmo de uma das crônicas. No auge da delicadeza, Trindade preferiu usar um eufemismo para descrever um “professor” incapaz de honrar tal título e que, para mim, merecia ser chamado de “maldito” (risos). 

As emoções já afloram na dedicatória, quando ele descreve o pai, o senhor José Trindade, como “uma fusão maravilhosa de enxada e poesia”. É o sangue azul que corre na veia do poeta, escritor.

Ele sabe bem que uma das minhas crônicas favoritas é “As Cigarras de Jaguaribe”. Como morador do bairro de Jaguaribe, em João Pessoa-PB, me identifico e me emociono com as mensagens, ainda que de tempos diferentes do meu. Ao andar pelas ruas desse bairro, ver o pôr do sol, sentir o vento correr pelo rosto e ver os imóveis históricos, imagino como tudo era quando o Professor Trindade escreveu enquanto morava por lá.

“Jaguaribe é metonímia do meu grande amor por João Pessoa”, diz ele ao usar uma figura de linguagem para explicar o que também ocorre comigo, amante incondicional da capital paraibana. Ao lê-la, mesmo sem morar em Jaguaribe, você percebe não só a emoção e o brilho da lembrança descritiva, como também vai procurar cigarras em sua realidade para construir sua narrativa de vida.

Eu visualizo as “cenas”. É uma sensação indescritível a de poder viajar no tempo e enxergar que o local onde estou hoje teve tantas histórias em outros momentos. Estou aqui onde antes do “progresso” as cigarras cantavam. “Nunca mais passarei ali, por detrás da Escola Técnica, próximo à Cagepa. A melancolia não me permite aceitar a ausência do canto das cigarras, que grassava, na década de 70”, escreveu o Professor. Eu passo por lá e penso: “Aqui cantavam as cigarras do Professor Trindade”.

Não é preciso dizer que estou muito honrado com a apreciação positiva desses dois ases, acerca do meu mais recente “filho”; e mais horando e feliz ficarei com a presença de vocês leitore(a)s, conhecido(a)s, ou não, para os autógrafos e, em seguida, um drinque.

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