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Professor Trindade

Ao contrário do que muitos pensam, não é fácil escrever poesia lírica. Há sempre o perigo de o poeta resvalar na mesmice ou – pior – na pieguice

Não foi o caso de José Nunes. Seu longo poema “A Musa do Entardecer” traduz o que de melhor existe em poesia lírica, seja pela suavidade, seja pelo equilíbrio, que ficam patentes a cada poema que se lê desta maravilhosa obra.

E o mais importante: o poeta tanto verseja em versos curtos, como longos; em poemas minúsculos ou mais “estirados”, revelando domínio completo daquilo que é fundamental em poesia: ritmo, imagens e técnica.

A natureza, com suas nuanças e beleza, é sempre recorrente nos poemas; ao que se juntam e se complementam Sofia – a musa – e o apaixonado “eu-lírico”.

Selecionei da obra alguns exemplos, que vêm a seguir: 

A vida galopa na

fecundidade do silêncio,

nas ondas do mar,

na aurora com o

segredo dos teus olhos.

Observe-se a bela imagem: “A vida galopa na/ fecundidade do silêncio/ (…) com o/ segredo dos teus olhos”.

E o poeta complementa esse encantamento, nos versos do seguinte trecho:

“(…) No poente com Sofia,

 o momento é poema.

 O poente é Sofia,

meu poema.

Note-se que o poeta traduz aquela junção: natureza/ “eu-lírico/ Sofia como razão de ser do poema.

Escolhamos, então, um dos que chamei “estirado”, por não serem nem longos, nem breves:

Te amo com a alegria da terra

ao receber brisa noturna.

Te amo silencioso,

no aroma dos lírios.

Te amo no olhar

de muitos solares,

no afago de mãos silentes,

nas lembranças noturnas

de noites infinitas.

Te amo como raízes

silenciosas.

Amo como os espinhos que guardam

as perfumadas rosas.

Tardio amor,

alimentado com palavras,

gestos de mãos,

certas coisas da alma.

Recolho e guardo

tua graça que ascende

na terra do meu coração.

Temos, aqui, como em tantos outros trechos da obra, o amor idílico, puro, que aspira apenas a se encantar (e encantar!) o ser amado.

Mas o ponto alto desse lirismo idílico creio estar nos seguintes versos:

“Quando o vento

tocar o teu rosto,

sou eu, na aragem,

a te buscar.

Rubem Braga disse de “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, ser um “romance desmontável”. Tomo emprestado a bela definição de Braga, para afirmar que “A Musa do Entardecer” é um poema desmontável. Apesar de ser um todo, cada parte em que é dividido poder ser lida separadamente, como se fora um poema independente: e aí reside a genialidade do poeta José Nunes.

Aliás, tal genialidade não surpreende, pois Nunes não é um novel em poesia. Há 30 anos, publicou o livro de poemas “lira dos 40 anos” e agora retorna, com mais vigor e maturidade ao gênero.

(Texto de apresentação do livro “A Musa do Entardecer”, do Acadêmico José Nunes, da Academia Paraibana de Letras, publicado pela Mídia Gráfica e Editora e lançado terça-feira, 26 de março de 2024, na sede da Instituição).

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