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Edilson Pereira Nobre Júnior

Fazia um bom tempo que tinha a vontade de escrever este artigo. Não sei se não o fiz por não conseguir vencer a luta de Sísifo contra o tempo ou porque me faltou inspiração. O fato é que resolvi fazê-lo depois da leitura de Dora Kramer na Folha de São Paulo de 14 de abril de 2023 (O nível, excelências …), criticando a política de baixaria que se instalou no Congresso Nacional e que, principalmente por se radicar na oposição, desqualifica-a, contribuindo para fragilizar a democracia.

Aqui a escolha do protagonista recai em Benjamim Disraeli, fazendo-o não sob a lente ácida de Eça de Queiroz em suas Cartas da Inglaterra[1], que se indignava com um LordBeaconsfield escritor, mas na descrição de André Maurois (Viede Disraeli)[2], publicada em 1927, a permitir a visualização de uma carreira política que, envolvendo o exercício por duas vezes do cargo de Primeiro-Ministro, contribuiu decisivamente para a consolidação do apogeu do Império Britânico.

Cínico em companhia das mulheres, para não parecer ingênuo. Romântico, porém, metódico, logo percebeu que casamentos por amor podiam ser perigosos. Não foi um Don Juan, mas, ávido para vencer na política, recebeu um conselho de um político experiente, qual seja, o de casar se encontrasse uma viúva. Daí o matrimônio com MrsWyndham Lewis, desprovida de maiores encantos, mas ideal para um jovem e ambicioso membro da Câmara dos Comuns.

Primeiro-Ministro, foi muito além da condição de predileto da Rainha Vitória, esforçando-se para consolidar a liderança do poder inglês no cenário mundial. A esse respeito, dois fatos são dignos de nota. O primeiro teve que ver com a eleição para a Câmara dos Comuns, pelo Distrito de Londres, de Lionel de Rothschild, banqueiro, talvez o homem mais rico da Terra, o qual, devido a ser seguidor do judaísmo, não pôde assumir a sua cadeira, pois a lei exigia o juramento com base na fé cristã. Disraeli, membro do Partido Conservador, que defendia a manutenção da exigência, divergiu da orientação partidária e lançou, mesmo praticamente isolado, um forte protesto.

Passado o episódio, a Turquia oferecia à venda sua participação no Canal de Suez, o que era de uma importância estratégica sem igual para a Inglaterra. Apesar da oportunidade, as forças do erário não eram das mais favoráveis.

A solução a ser escolhida não poderia ser outra senão a da humildade, de modo que Disraeli se dirigiu pessoalmente à residência do financista para pedir um empréstimo justamente em favor da nação que a este negara o direito de exercer um mandato no parlamento. A súplica foi atendida e quem ganhou foi a Inglaterra.

Mas não parou por aí. Em abril de 1877, eclodia a guerra entre a Rússia e o Império Otomano. O jornal Daily News, partidário dos liberais, acusava os turcos, mulçumanos, de atrocidades cometidas contra os povos cristão da Bulgária. Tentava-se, por uma forte campanha na imprensa, influenciar a opinião pública, para forçar que a Inglaterra se envolvesse belicamente em favor dos russos.

Disraeli, certo de que quando o país enlouquece, seria necessário esperar, raciocinou que estava em jogo não uma disputa religiosa, mas aprópria supremacia inglesa no Mundo e que o pior a acontecer seria a presença da Rússia no Mediterrâneo, pois se mostrava imprescindível à Inglaterra a mantença de uma comunicação com a Índia e a Austrália. Esses objetivos poderiam vir abaixo caso o avanço russo chegasse ao Canal de Suez.

Daí que, aproveitando-se que o exército do Sultão Turco-Otomano detivera os russos em Plevna, Disraeli, num golpe de mestre, movimentou parte do exército inglês situado na Índia e ocupou o Egito e, de conseguinte, o Canal de Suez, passando a controlar, em nome do Império Britânico, a navegação para o Oriente e a Ásia.

Ao triunfo na política externa não correspondeu a população, que, influenciada por uma visão estruturada pelos meios de comunicação, acusava o Primeiro-Ministro de defender os infiéis do Islã. O resultado foi a sua derrota nas eleições que sobrevieram pela pregação moralista de Gladstone, a qual agitava as colunas dos jornais.

O que pretendo afirmar é que, mesmo consciente da impopularidade da opção eleita, desta Disraeli não abdicou porque era a que melhor satisfazia os interesses do seu país, não sucumbindo, portanto, à deusa que, sob vestes populistas, recomendava-lhe salvar as suas pretensões políticas pessoais. Porventura não foi à toa ter Maurois afirmado que Disraeli, à medida que desagradou muitos homens ao longo da vida, sempre tivera a indulgência das mulheres.

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*Ocupante da Cadeira nº 36 da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras.

[1]Cartas da Inglaterra e Crônicas de Londres. Lisboa: Edição Livros do Brasil, pp. 85-104.

[1]A vida de Disraeli – Primeiro-Ministro e Amigo da Rainha Vitória. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. Tradução do francês por Glueber Vieira.

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