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Professor Trindade

Um dia, alguém mal intencionado espalhou que “Português é muito difícil” e que ninguém aprende. Isso não é, evidentemente, verdade. Vamos mostrar, neste texto, como se aprende Português.

O primeiro assunto de que trataremos é fundamental para que se aprenda crase, concordância, pontuação e grande parte de regência. Falaremos sobre transitividade de nomes e verbos.

Os verbos (e nomes) podem ser intransitivos (não exigem complemento), e transitivos (exigem complemento). Os últimos podem ser diretos, indiretos e diretos e indiretos, simultaneamente.

Para o que vamos discutir, só interessam os elementos transitivos (verbos e nomes).

Verbo transitivo direto é aquele que exige complemento não obrigatoriamente preposicionado. Ex.: Ele comprou uma casa. Verbo transitivo indireto é aquele que exige complemento obrigatoriamente preposicionado: Gostei do seu sorriso.

Verbo transitivo direto e indireto exige os dois complementos, simultaneamente: O pai doou um rim ao filho.

Como reconhecer um verbo transitivo direto?

É muito simples. Basta que a pessoa pare no verbo (a fórmula não vale para verbos de ligação); haverá, então, uma pergunta: “o quê?”, ou “quem?”. Havendo essas duas perguntas, o verbo será transitivo direto.

Observe: Ganhei (parando no verbo)/ o quê? Resposta: uma bola.

Conheci (quem?) tua namorada.

O verbo, aí, é transitivo direto e o complemento se chama objeto direto.

Para se reconhecer um verbo transitivo indireto, faz-se e o mesmo mecanismo. Para-se no verbo:

Gostei/

(de quê?) do seu sorriso.

As perguntas exigidas pelo verbo transitivo indireto são: de quê? (de quem?), a quê (a quem?), com quê (com quem?) e em quê? (em quem?). O complemento de tais verbos se chama objeto indireto.

Exemplos:

Gostei (de quê?) do seu sorriso.

Gostei (de quem?) da sua namorada.

Eu me referi (a quê?) a seu sorriso.

Eu me referi (a quem?) ao homem azul.

Eu acreditei (em quê?) nas suas palavras.

Eu acreditei (em quem?) em você.

Eu me contentei (com quê?) com sua presença.

Eu me encontrei (com quem?) com você.

TABELAS, NÃO!

Não há tabelas para se conhecer a transitividade, ou não, de um verbo. Isso depende do contexto. Por isso, não adianta decorar. Um verbo, em determinado contexto, pode ser intransitivo, e, noutro, transitivo e vice-versa.

Observe:

Eu amo demais (o verbo, na frase, é intransitivo).

Eu amo você (o verbo, nesse caso, é transitivo direto).

O homem doou um rim ao filho (verbo transitivo direto e indireto).

Operário doa rim, em São Paulo (verbo transitivo direto).

Conforme estamos vendo, certo mesmo estava Mário de Andrade, ao usar a profunda ironia do título do seu famoso romance: “Amar, Verbo Intransitivo”.

Quanto aos nomes, a fórmula é a mesma:

Tenho medo (de quê?) do seu sorriso.

Medo é nome transitivo indireto e seu complemento se chama, por isso mesmo, complemento nominal.

Para aprender Português, de verdade, é preciso se desfazer de alguns mitos que enumeraremos a seguir:

1.“O aposto vem sempre entre vírgulas.”

Mentira. Há, inclusive, apostos que não admitem vírgula; como, por exemplo, o aposto especificativo: A cidade de João Pessoa é hospitaleira. “De João Pessoa” é aposto especificativo e não poderia ser isolado por vírgula.

2. “O lhe é sempre objeto indireto.”

Outra mentira. O lhe pode ser adjunto adnominal (quando a frase der ideia de posse) ou complemento nominal:

O namorado beijou-lhe a boca (lhe = adjunto adnominal).

O professor fez-lhe referência, ontem (lhe = complemento nominal).

3. “Só há voz passiva com verbo transitivo direto.”

Mentira, novamente. Pode haver voz passiva com verbos transitivos indiretos, como é  caso dos verbos obedecer e desobedecer:

As leis foram obedecidas.

As leis foram desobedecidas.

4. “Substantivo concreto é aquele que a gente pega e vê; abstrato é aquele que a gente não pega e não vê.”

Querido leitor, você já pegou numa fada? Pois saiba que fada é substantivo concreto. A noção vista, aí em cima, não pertence à linguística, mas sim, à Física. Substantivo concreto é aquele cuja noção não depende da noção (existência) de outro; tem existência própria na Língua. Designa os seres, de um modo geral: casa, fada, Saci Pererê, homem. Substantivo abstrato é aquele cuja existência depende da noção (existência) de outro; não tem existência própria; designa sentimentos e emoções: saudade, tristeza. Note que para haver saudade, tem que existir a noção de um substantivo que já existe na Língua: pessoa.

Outra dica para aprender Português é esquecer tabelas e fórmulas inúteis.

Há professores que, ainda hoje, ensinam assim:

Os verbos de ligação são: ser, estar, permanecer…

Ora, a transitividade, ou não, de um verbo depende do contexto. Portanto, o mesmo verbo pode ser de ligação numa frase e em outra, não.

Observe:

Ele permanece triste (verbo de ligação; o elemento fundamental é o adjetivo triste).

Ele permanece no lago. (O verbo, aí, não é de ligação; é intransitivo, com um adjunto adverbial de lugar: no lago. Permanecer é a ideia fundamental da frase; portanto, o verbo não é de ligação).

(Texto extraído do meu livro “Português Descontraído”, Editora Leya/Alumnus, 2018. Págs. 32 a 38).

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