Moeda: Clima: Marés:
Início Colunas
Edilson Pereira Nobre Júnior

Se algum dia minha opinião fosse instada a responder qual a personagem que escolheria como a mais impactante do universo, mais real do que imaginário de Machado de Assis, minha resposta não seria Capitu, por mais dissimulação os seus olhos pudessem galvanizar. Também não me inclinaria pelas suspeições de Bentinho. Jamais por Ezequiel Escobar.

                        Com certeza diria que nenhum deles superaria o Conselheiro Aires – José da Costa Marcondes Aires. Diplomata por profissão, conhecia os interesses dos Estados tanto quanto os mistérios das paixões, guardando, como um bom expert, o talento de saber tudo o que é capaz de dizer um rosto calado e até mesmo o contrário.

                        Em Esaú e Jacó, a distinção de sua sabedoria permitiu a Aires aconselhar Natividade, mãe de Paulo (révolutionnaire) e Pedro (conservateur), dizendo: “Conte com as circunstâncias, que também são fadas. Conte mais com o imprevisto. O imprevisto é uma espécie de deus avulso, ao qual preciso dar algumas ações de graças; pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos”[1].

                        O acaso se abate em todos os cenários, sendo, muitas vezes, decisivo para inspirar a criação literária. Uma amostra – e significativa – se tem em “Os perigos do Imperador”, de Ruy Castro. De fato, num sábado de 2009 este, num passeio pela feira de antiguidades da Praça XV, Rio de Janeiro, adquiriu, numa banca de papéis velhos, um caderno de anotações, de capa de couro preto, que chamava atenção pelo nome J. de Souza Andrade.

                        Tão logo o autor pôde observar o seu conteúdo, foi possível ver o relato de uma história, não somente verídica, mas sobretudo impressionante, relacionada com a visita do imperador D. Pedro II aos Estados Unidos, por ocasião das celebrações do centenário de sua independência em 1876.

                        Juntando ao seu achado outros documentos, dentre os quais recortes de reportagens do jornal New York Herald, bem como mensagens do jornalista J. O’Kelly, sobre tal jornada, arquivos do Museu Imperial, da Biblioteca Nacional, da Marinha dos Estados Unidos e artigos do jornal A matraca, o autor, com um raciocínio lógico invulgar, mas sem desperdiçar toques de ironia e de humor, reconstrói os fatos que desaguaram num atentado de que foi vítima sua majestadeem território americano, mas planejado no solo da pátria amada, preenchendo, assim, mais uma lacuna deixada pela historiografia oficial.

                        E, o que de mais importante se tem, é que o autor permite ao leitor entrever, nas entrelinhas, a sua versão acerca do estratagema político que gravitou em torno do ocorrido, o qual, omitido pela historiografia oficial, somente agora parece ter chegado à luz do público.

                        Seria deselegante falar sobre o conteúdo da história, mas não resisti em traçar algumas linhas sobre um aspecto acidental na narrativa, capaz de fornecer uma ideia sobre um detalhe da realidade de então e que ainda permeia nos dias atuais. Parece até mesmo que é contemporâneo da própria humanidade, pelos menos desde a existência do poder político.

                        É a figura do áulico, ou, numa linguagem popular, do “puxa-saco”. Uma passagem interessante se dá quando o imperador se dirige ao Visconde de Cantagalo, perguntando-lhe as horas para, de imediato, obter a resposta: “As que Vossa Majestade quiser”.

                        A razão pertence, pois, ao Carnaval que, valendo-se da alegria, exprimiu a verdade na marchinha de Frazão e Roberto Martins: “Lá vem / O cordão dos puxa-saco / Dando viva aos seus maiorais (bis) / Quem está na frente é passado para trás / E o cordão dos puxa-saco / Cada vez aumenta mais (…)”.


P.S.: Ao ler o texto, um amigo, questionando a pertinência do título, indagou-me: “Por quePedroca”? Respondi-lhe: “Esse é um mistério que apenas o leitor de “Os perigos do Imperador” pode desvendar. 


[1]Esaú e Jacó. Editora Raio, 2021, p. 231.

publicidade
publicidade
© Copyright 2024. Portal Correio. Todos os direitos reservados.