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Professor Trindade

De manhã cedo, eu já estava de pé, no banheiro alagadiço do hotel onde me hospedara.

Enquanto a água morna descia sobre o cabelo e corpo, imaginava as emoções pelas quais iria passar. Seriam emoções apenas boas, ou haveria algumas más? Na vida, nunca podemos ter certeza de nada.

Chego, enfim, ao Educandário Américo Mesquita, o palco das ditas emoções.

E tudo, então, começou, levando-me, logo, às lágrimas, poucas e caladas. A lembrança do meu jardim de infância aflorou, quando uma bela moça e promissora atriz, chamada Edna Queiroz, entrou com um grupo de garotinho(a)s encenando uma peça, que me lembrou logo a pracinha por trás da igreja velha, quando, no recreio do Jardim de Infância da professora Marielita, a gente brincava e, antes de retornar à sala de aula, escovava os dentes, sentados nos batentes que ainda hoje existem. A praça também.

Que alegria quando vi a moça exclamar, com um jeito espontâneo, como nos velhos espetáculos: “Palmas para o homenageado João Trindade!”. Aí não teve jeito: as lágrimas vieram mais notoriamente à baila e continuaram até o fim da manhã.

Após isso, leitura da minha biografia, a entoação do hino da cidade, por um grupo de músicos maravilhosos liderados por dois competentes profissionais da área: Nego Lula (sim; é assim que ele gosta de ser chamado; graças a Deus, no Sertão as tradições ainda são conservadas e não andou ainda por lá esse policiamento ridículo que ora toma conta do nosso país). Chamar alguém de negro nem sempre é detratá-lo; muitas vezes, a esposa diz para o esposo branco: “não é, nego?”. Qual o problema? A questão não está nas palavras, mas sim na intenção. Havia, também, entre os músicos, alunos do colégio: garotas que tocavam xilofone; e dois garotos: um saxofonista e um violinista.

Depois, a mesma banda entoou, em minha homenagem, uma música cuja melodia era calma e triste, o que, no caso do segundo adjetivo, muito bem me caracteriza.

Após isso, mais emoção: a garotada do quinto ano me apresentou os maravilhosos fanzines confeccionados por eles sobre minha vida e obra: uma homenagem que ficará para sempre, pois que retrata minha vida e obra em colagens que lembram um álbum, num trabalho bem acabado, com capa e miolo perfeitamente retocados. E as crianças realmente capricharam: vasculharam minha vida, de cima a baixo; colocaram fotos das quais algumas nem eu mais lembrava, numa pesquisa detalhada, no Instagram e outras redes sociais. Uma produção realmente primorosa!

Destaque-se, ainda, a exposição Multissignificação Poética, do artista Paullynho Piancó, inspirada no meu poema “9 de Fevereiro” e a entrega de um retrato meu, desenhado pelo artista piancoense Vavá Salviano.

Depois veio o momento que considero o ponto alto e fundamental da festa: um bate-papo com as crianças do Fundamental, sobre minha vida e produção. Nada é mais gratificante do que você falar da sua vida e produção, literária… Não por vaidade ou narcisismo, é claro, mas para despertar naqueles jovens o prazer do fazer poético ou da prosa; o caminhar da vida, com nossa experiência que se é que serve para alguma coisa é para alertar que ela é feita de alegrias e agruras; de jardins e pedras; de luz e sol; do claro-escuro que a governa.

À tarde, mais emoção:

Declamação de poemas meus (diria encenação, tal a perfeição com que a aluna Luciana Souza interpretou um deles), momentos de outras produções, como uma análise criteriosa da obra “Por que ler os Clássicos”, de Ítalo Calvino, pela ex-aluna do educandário Edycarla Joyce, o que me plantou na alma a esperança de que nem tudo está perdido e que nem todo jovem se limita aos “forrós de plástico” que são adestrados a escutar, aos moldes do Nazismo, com uma repetição insistente e programada, onde é que se esteja e para aonde se vá. Nada contra que se escute música A ou B; mas, porque apenas elas? Por que não escutar, também, outras e porque abominar a leitura como, infelizmente, faz a grande maioria, incitada pelos adultos e às vezes até por certos “educadores”? Houve, também, uma discussão sobre “O Rei Leão”, pelo grupo “Legião Literária”, comandado pelo aluno Theodoro Tiburtino, que me pareceu um jovem consciente e que tem muito gosto por cultivar e divulgar a literatura. Ainda houve, na mesma tarde, um bate-papo sobre o romance “É Assim que Acaba”, de Colleen Hoover.

Finalmente, o lançamento do meu livro de crônicas “O Estranho Professor de Violão”; palavras minhas de agradecimento, emoção e encantamento.

O último momento foi lindo e marcante:

Como se fora combinado, mas não foi, a apoteose: terminadas minhas palavras e anunciado o final das solenidades, um grupo de crianças correu para mim: garotos e garotas que se diziam envaidecidos, quando, na verdade, o envaidecido era eu, pediram-me, de canetas à mão, autógrafos nas blusas e camisas das fardas, a que atendi, um a um, num misto de êxtase e ternura.

Meu Deus, era minha adolescência que voltava! Era um homem engrandecido, envaidecido e feliz por ser alvo de tanto carinho e fervor. Teve até um garotinho que, ao receber o autógrafo, saiu correndo e pulando, aos gritos, exclamando:

– Nunca mais vou lavar essa camisa!

Lavei a alma e os olhos, com lágrimas de saudade da terra em que nasci e da qual recebi a maior e melhor homenagem que um homem pode receber.

Obrigado, Piancó. Obrigado, meus garoto(a)s e adolescentes: vocês têm, para sempre, meu coração e dele podem dispor, o tempo que desejarem.

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