Bateu saudade. Vou ao som e escuto, “20 Grandes Sucessos” de um dos meus ídolos de infância: Erasmo Carlos.
Sentei-me, não à beira do caminho, mas à mesa da sala e fiz uma visita à minha infância: ao mercado daquela cidadezinha do interior onde me criei, ao meu tabuleiro, à lembrança da minha mãe, o pé descalço…
Em meio à bagunça da minha biblioteca, consigo achar um texto que escrevi, há muito tempo: em 13/02/1983, no Correio da Paraíba: “Os ‘Detalhes’ de Roberto Carlos”. Passo a transcrever a parte que se refere à língua e linguagem; aqui e acolá, fazendo ajustes, quando necessário:
“(…) Linguagem figurada
Um dos pontos altos das músicas interpretadas por Roberto Carlos é a presença, com certa frequência, de figuras de linguagem; imagens bem usadas, sobretudo a antítese. Os compositores de Roberto usam, constantemente, essa figura, que é preferida da dupla Roberto e Erasmo. Pena que, às vezes, abusam da mesma antítese, o que lhes tira o mérito.
Vejamos:
Na música “Amiga”, temos:
“Amiga
perdoa se eu me meto em sua vida
mas sinto que você anda esquecida
de se lembrar de tudo o que passou (…)”
Na verdade, essa mesma antítese também foi usada, na seguinte letra, de “À distância”:
“Se alguma vez você pensar em mim
Não se esqueça de lembrar
que eu nunca te esqueci (…)”
LEMBRAR E ESQUECER – Regências erradas
Um erro gravíssimo da produção de Roberto e Erasmo: Eles simplesmente não sabem usar a regência desses dois verbos, como mostram os seguintes exemplos: Na música “Titia Amélia” a dupla diz: “Eu não me esqueço aquele tempo (…)”. O certo seria: Eu não me esqueço daquele tempo; ou Eu não esqueço aquele tempo. O mesmo erro é cometido em “Velhos Tempos, Belos Dias”: “Eu me lembro com saudade o tempo que passou (…)” O certo seria: Eu me lembro com saudade do tempo que passou; ou: Eu lembro com saudade o tempo que passou.
Esses erros, no entanto, não são tão imperdoáveis e vergonhosos como o que foi cometido na música “Filho único”, interpretada por Erasmo:
“Você já fez a sua parte
me pondo no mundo
que agora é meu dono, mãe
e nos meus planos não estão você.”.
É só passar para a ordem direta, que se nota o erro gritante: “Você não estão nos meus planos” (?). O certo seria: E nos meus planos não está você (na ordem direta = você não está nos meus planos). E aí não vale, por hipótese alguma, a desculpa da licença poética”.
Com licença, leitor, que agora vou me deleitar escutando “O ajudante do Kaiser”: minha infância, em forma de audição. Aproveito e tiro da gaveta uma embalagem do chiclete “Tremendão”, com um desenho e a letra:
“É duro ser estátua
e ficar parado assim
vendo tantos brotos
passar perto de mim.
Pombos na cabeça
o frio é de doer
na outra encarnaçãogente eu quero ser (…)”.