Com muita justeza, uma vez que o livro “Sempre Paris: crônica de uma cidade, seus escritores e artistas” (Companhia das Letras) é uma obra irretocável, a jornalista e tradutora Rosa Freire D’Aguiar venceu o prêmio de melhor livro do Ano, no Jabuti.
Aliás, tal livro foi também lançado aqui, na Academia Paraibana de Letras, no dia 9 de novembro de 2023, ocasião em que ela fez a entrega do fardão acadêmico (Academia Brasileira de Letras) do marido, o paraibano Celso Furtado.
Inclusive, na cerimônia de premiação do Jabuti Rosa fez questão de destacar a importância do economista na produção literária dela:
“Amanhã (a premiação foi no dia 19/11) fará 20 anos que meu marido morreu”. “Eu o conheci na França, quando ele estava exilado pelo golpe de 64. Ele sempre me deu muita força, especialmente para o meu jornalismo, e esse é um livro de jornalista.”
Os textos são memórias do longo tempo em que Rosa morou na Europa, com o famoso economista paraibano.
Sobre a autora
Rosa Freire d’Aguiar nasceu no Rio de Janeiro. Nos anos 1970 e 1980, foi correspondente em Paris das revistas Manchete e IstoÉ. Voltou ao Brasil em 1986 e, desde então, trabalha como editora e tradutora. Entre os prêmios que recebeu por suas traduções estão o da União Latina de Tradução Científica e Técnica, por “O universo, os deuses, os homens”, de Jean-Pierre Vernant; o Jabuti, por “A elegância do ouriço”, de Muriel Barbery; e o Biblioteca Nacional, por “Bússola”, de Mathias Enard.
Sobre a obra
Em “Sempre Paris: crônica de uma cidade, seus escritores e artistas” Rosa Freire D’Aguiar mescla memórias e entrevistas e oferece um registro extraordinário de um lugar e de uma época eletrizante. A obra não é apenas um livro sobre a cidade; é uma jornada pelo tempo e pela cultura que ela representa. A autora oferece ao leitor conhecimento, bem como experiência estética e sensorial. É leitura indispensável para aqueles que amam a literatura e a arte.
Outras premiações
O prêmio de melhor romance foi para “Salvar o Fogo”, segunda obra no gênero do baiano Itamar Vieira Junior, já premiado com o mesmo troféu por “Torto Arado”, há quatro anos.
O livro reforça os temas do maior best-seller dele (o segundo livro citado no parágrafo anterior), um dos autores de mais destaque na literatura brasileira contemporânea, pondo em cena a vida de mulheres do sertão baiano ameaçadas pela dominância da igreja sobre suas terras.
“O Crime do Bom Nazista”, do gaúcho Samir Machado de Machado, foi eleito o melhor romance de entretenimento. Ambos os romances foram publicados pela editora Todavia.
Na categoria conto, venceu Bethânia Pires Amaro. A autora pernambucana, também advogada, tem sido destacada como uma das boas vozes da contística brasileira.
O livro de poesia vencedor foi “Cabeça de Galinha no Chão de Cimento”, de Ricardo Domeneck, pela editora 34. Trata-se de uma obra em que o poeta volta às raízes, em busca de sua ancestralidade e seu lugar no mundo, tendo traços antropológicos e psicanalíticos.
Momento de poesia
Ausência
(Vinícius de Moraes)
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei… tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
(Poesia Completa e Prosa – editora Nova Aguilar, 1981, pág. 99).