O primeiro mandamento de um bom editor talvez seja o de propor um título para a obra, atraindo a curiosidade do público. Porém, o sucesso de vendas não evita o julgamento do leitor.
Em 1928, numa Inglaterra sentindo o aproximar-sedo crepúsculo do seu império, é anunciada a publicação do “O amante de Lady Chatterley”, escrito por D. H. Lawrence[1]. A censura foi a resposta imediata.
Li há pouco o romance, que se passa nas Midlands, logo após a Primeira Guerra Mundial. A minha argúcia não me vocaciona à crítica. Como leitor me fixo no que diria serem nuances marginais, recônditas, que costumam passar despercebidas da maioria dos autores, mais absortos pela busca da narrativa principal e do final nem sempre feliz.
Privada da possibilidade de relacionamento sexual por conta de uma deficiência física de seu esposo, SirClifford, membro da ainda imponente aristocracia, Connie, a personagem principal, termina por se relacionar com um dos agregados do seu esposo, o guarda-caça Mellors.
Ao contrário dos parisienses, em que o ménage à trois era visto como normal desde meados do século XIX, tal qual se vê em “O pai Goriot” de Balzac, não há dúvidas de que tal fato, por si só, subvertia os rígidos padrões de conduta da sociedade britânica, ainda impregnada pela moral vitoriana.
Mas o que me frustrou foi uma ausência, por assim dizer completa, do erotismo como a humanização inteligente e sensível do amor, inclinando-se mais para a pornografia, que encarna o seu barateamento e degradação, na distinção de Vargas Llosa, ao descortinar o mundo maravilhoso de “Os cadernos de dom Rigoberto”[2].
Essa percepção foi notada por Nara Vidal[3], ao destacar na narrativa o enfoque às palavras como preencher, túrgido, orgasmo, endurecer, inchar, excitação, deleite, ardência, movimentos, se privilegiava uma estrutura anatômica, talvez procurasse evidenciar uma ignorância do guarda-caça (Mellors) sobre o que circunda e enleva o sublime.
Volvendo-se, em mais um átimo, à ilusão de Llosa[4], vê-se que a narrativa de D.H. Lawrence, se privilegiava o orgânico, despiu-se do laivo artístico e criativo, dons do erotismo e que, ao contrário da pornografia, integra-nos com tudo o que somos e temos.
A proibição da obra até o ano de 1960, praticada justamente no país pioneiro na defesa da liberdade de expressão, talvez esconda um aspecto, qual seja o do preconceito, que teria passado despercebido, uma vez encoberto pelo pano de fundo das relações proibidas.
Isso pela ousadia do autor, filho de um mineiro e de uma professora primária, em contestar, através das narrativas de Mellors à sua amante, a superioridade, típica paixão do aristocrata britânico. Eis as impressões de um leitor desatento.
[1]A edição foi em terras italianas.
[2] Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 219. Tradução de Joana Angélica d’Avila Melo.
[3] O julgamento do gozo. In: O amante de Lady Chatterley. Rio de Janeiro: Antofágica, 2022, p. 455. Tradução de Isadora Prospero.
[4]Os cadernos de dom Rigoberto. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 220 e 223. Tradução de Joana Angélica d’Avila Melo.