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Professor Trindade

“Maktub” é um poema do campinense Figueiredo Agra, inserido no livro “Vida Flauta”, de 1974 (p.63 a 65).

Além do livro referido, o poeta escreveu também, no gênero poesia, “Os Hemisférios Loucos”, “Concerto de Espaços”, “Café das Manhãs Amargas” e “Guarda Estes Poemas, Luciene”; este último, seu livro de estreia, em 1965.

Insistimos na ligação da vida do poeta com sua produção literária. Se não, como explicar poemas como “Ainda Uma Vez – Adeus”, de Gonçalves Dias e este “Maktub”, de Figueiredo Agra? Dever-se-ia argumentar: “Mas isso é coisa do passado, e não da visão moderna de poesia”. Como explicar, então, a posição de Figueiredo Agra, escritor consciente do lapidar da palavra; conciso, associado, em termos de influência, a João Cabral de Melo Neto, poeta ligado à semiótica escrever “Maktub”?

São indagações pertinentes; aqui, no caso, apenas introdutórias; mas que merecem reflexão.

É bom lembrar que, em nossa análise, levaremos em conta o que nos leciona Massaud Moisés, em “A Análise Literária”. Ensina-nos o mestre que não devemos fazer a mera paráfrase do poema; devemos analisar aspectos biográficos do autor, quando o texto assim o exigir (portanto, admitindo tal possibilidade); as palavras-chave de cada estrofe; as significações conotativas e as cargas semântica e formal do poema.

Comecemos, então, pelo título: “Maktub”, palavra certamente desconhecida do leitor de vocabulário médio.

Malba Tahan, no seu livro “O Homem que Calculava”, mostra-nos o significado do vocábulo maktub, que é árabe: “assim será”; “assim tinha que ser”; “para sempre”; ou coisa que o valha.

Por que usou o poeta a palavra maktub como título do poema? Quais as razões para tal atitude? O leitor terá que esperar a análise da segunda estrofe para ter ciência disso.

O poeta inicia assim a primeira estrofe:

Que faço?

Estarei com medo das palavras?…

Palavras, portanto, é a palavra-chave da primeira estrofe, que não nos remete a nenhuma conclusão em relação ao “eu” lírico; sabe-se, apenas, que existe um medo.

Na segunda estrofe, as coisas ficam mais claras, quando o poema ritmicamente cai e resvala para a prosa, perdendo, consideravelmente, no plano formal. Aliás, em todo o poema há uma alternância de prosa/poesia o que revela “Maktub” ser um poema imperfeito, irregular, fato não comum na poética do campinense, que domina, perfeitamente, as técnicas do verso:

Era um dia onze de setembro

quando se foi Luciene;

foi num dia dez de setembro

e veio Ula Cynadine à mesma vida…

Aqui, não falaremos em palavra-chave, mas sim, em ideia-chave, que perpassará todo o poema: a ideia de retorno, motivo constante no escrito em questão. Cabe esclarecer ao leitor, a essas alturas, uma nota biográfica imprescindível para o entendimento do poema: Figueiredo Agra assassinou a esposa, Luciene Colaço Agra, em 1971, na cidade de Campina Grande. Agora o poeta, que, no caso, confunde-se com o “eu-lírico”, reporta-se a um fato concreto: a morte da esposa no mês de setembro e se intriga com a “rede” preparada pelo destino: o nascimento da filha (Ula Cinadyne), também em setembro. A coincidência da data, dos nomes (?) (note a coincidência das letras) o intriga.

Vejamos as estrofes 3 e 4:

Tudo por minhas mãos

ou porque estava escrito

no seio das estrelas

ou a palavra em ação de calendário?

Que faço? Que fases! A vida

a ação das palavras

e sempre é setembro…

Aqui, o analista se depara com um problema: Na primeira estrofe, a palavra-chave foi palavra; na segunda, setembro; na terceira, novamente palavra. E na quarta, setembro ou palavra? Nota-se, no entanto, que tudo se encaminha para uma palavra-chave: palavras. É preciso prestar bem atenção às palavras dos últimos versos da quarta estrofe:

 “A ação das palavras

e sempre é setembro…

A ação, portanto, está em palavras, sendo setembro apenas um tempo/lembrança.

E o autor caminha até o final com o motivo intermitente do poema: palavras. Assim acontece na estrofe 5:“Estou tudo fazendo ou fazem as palavras e eu apenas digo?”. Na 6: “Estou com medo das palavras e não devo prendê-las.” Mas setembro volta, na 8ª e 9ª estrofes, com forte carga semântica: “Como um dia só de setembro?” (8ª) e “Que faço/ que digo. Eu me lembro/ e é setembro.” (9ª).

Como não poderia deixar de ser, a última estrofe prova a força da palavra como elemento essencial para o poema:

Rápida como uma bala é a antecipação

mais rápida a sua véspera

ainda quando palavra; pois mesmo embalo essa véspera.”

(…)

tersa (sic) sua palavra

como outra bala

da palavra que é dita

porque a vida não cala…

Terminada a leitura do poema, não há que tirar conclusões, mas há que chamar a atenção para as palavras: medo/palavras/bala/vida/setembro/ação de calendário/fases. Sendo que qualquer análise consciente do poema fundamentar-se-ia nos seguintes pontos básicos:

a) O medo – da palavra? Da vida? Do mundo?

b) Na segunda estrofe, notar a antítese significativa: morte de Luciene x vida (vinda) de Ula Cynadine.

c) O autor do ato – a palavra? A bala? A vida?

O que significaria “a palavra em ação de calendário”? Não seria o fato de que o ato se prolongaria a vida inteira, não deixando o “eu-lírico” em paz, uma vez que preso a uma lembrança para o resto da vida?

d) Percebe-se, no poema, a presença de duas fases na vida do poeta: a ação das palavras e o sempre ser setembro (e aí vale a pena notar o paralelismo do verso 12: “Que faço? Que fases…”).

Por fim, três elementos ficam nítidos no poema: a dualidade ato presente/fato passado; a lembrança constante, obsessiva e a inquietação do “eu-lírico”(Saudade ou sentimento de culpa?).

(Texto originalmente publicado neste Portal, em 15 de março de 2017; agora, com adaptações formais).

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