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Com 100 anos, Dona Dulce revela segredo para vida longa

Em um de seus diários, certa vez a escritora Virginia Woolf (1882-1941) disse não acreditar no envelhecimento, mas sim em mudanças da alma. “Eu acredito em alterar para sempre o aspecto de alguém para a luz. Eis o meu otimismo”, escreveu a intelectual britânica. A reflexão, que transborda sabedoria e resiliência, foi feita em 1932, quando ela tinha 50 anos, e parece servir como luva para Maria Dulce Melo da Costa, a Dona Dulce, paraibana simples, nascida em sítio, hoje com 100 anos, e que provavelmente nunca soube da existência de Woolf.

Dona Dulce é natural de Alagoa Grande, município do Agreste paraibano, distante 103 quilômetros de João Pessoa. A família vivia em uma propriedade na zona rural. Era terra de engenho, com produção de cachaça e rapadura. Dona Dulce é a caçula entre 15 irmãos. Não tem lembrança do pai – falecido em 5 de agosto de 1918, vítima de afogamento, 83 dias após o nascimento dela – nem conheceu o irmão mais velho, que já era adulto e tinha ido tentar emprego na Região Norte do país quando a mãe deu à luz à mais nova.

Dulce se mudou para João Pessoa ainda criança. A vinda para a Capital prometia oportunidades de estudo, mas ela não aproveitou. Hoje, recorda com certo arrependimento do fato de ter desistido da escola. “Eu tinha uma irmã que casou-se em 1924 e veio morar em João Pessoa. Em 1927, começou a presença dos irmãos aqui. Mas eu fui um pouquinho preguiçosa. Não estudei. Merecia uma pisa todo dia. Hoje é que eu vejo como faz falta”, diz, antes de, bem humorada, conceder perdão a si própria. “Mas, dá pra levar. Já com 100 anos, acabou-se”.

Dona Dulce casou-se aos 35 anos, teve um único filho e separou-se pouco tempo depois do nascimento do menino.  Dedicou o resto da vida a cuidar dele e também da mãe, que viveu até os 96 anos. O filho, Maurício, conta como Dona Dulce abriu mão até mesmo de carreira profissional com estabilidade para atender a um pedido da mãe:

Morávamos no Rio de Janeiro quando minha avó decidiu vender o engenho. Ela quis que minha mãe cuidasse dela e o pedido foi atendido prontamente. Voltamos para cá. Essa dedicação toda fez minha mãe perder boas oportunidades de emprego. Ela deixou passar chances de conseguir vagas federais. Na época, não existia concurso. Ela podia ter ingressado em carreira pública devido à influência da família com políticos, mas não quis. Abriu mão para cuidar de minha avó. Hoje tem uma aposentadoria pequena, podia estar muito melhor de vida, financeiramente falando

Atualmente, Dona Dulce mora na Vila Vicentina Júlia Freire, lar de idosos situado no bairro da Torre, Zona Norte de João Pessoa. A decisão de ir para o abrigo foi dela própria. Chegou em 24 de fevereiro de 2015. “Minha mãe sempre foi muito independente. Então quando ela tomou essa decisão, respeitei. Ela estava muito certa do que queria”, conta Maurício.

Doce Dulce

Dona Dulce tem 100 anos (Foto: Luís Eduardo/Portal Correio)

Quando cheguei à Vila para entrevistá-la, Dona Dulce ainda estava em seu quarto. Me recebeu com um abraço terno e sorrisos. Era o começo de uma série de lições sobre amorosidade, candura e humildade. Iniciou a conversa de jeito tímido, parecendo não compreender bem por qual motivo queríamos contar sua história. Mas logo se soltou, fez brincadeiras sobre o temperamento de colegas do abrigo e no fim da entrevista me pegou pelo braço e me levou para um passeio pelas dependências do abrigo. Elogiou a beleza do lugar e fez piada quando recebeu puxão de orelha da fisioterapeuta nos corredores. “A senhora nunca mais apareceu”, cobrou a profissional. Fez questão de me mostrar o consultório e lá confessou, descontraída: “Eu vou lá querer ficar aqui dentro. Prefiro andar. Faz bem e ainda limpo a vista”.

O bom humor de Dona Dulce é contagiante. O encanto que ela transmite é unanimidade na Vila Vicentina. Maria Alice, de 87 anos, também mora no abrigo e considera Dona Dulce como uma irmã mais velha. “Ela é alegria e cuidado”,  define a amiga. Já o diretor do lar, Ari Diniz, destaca o alto astral de Dona Dulce:

É uma moleca de 100 anos. Fico imaginando como era o humor desta mulher quando ela era jovem. Ela é fantástica, é alto astral o tempo todo. Para tudo ela tem uma risadinha, uma piada. É uma pessoa de 100 anos, mas com o espírito jovem. Quem dera que eu tivesse metade do bom humor dessa senhora

Quando Dona Dulce chegou à Vila Vicentina, Ari ainda não era gestor da casa. Mesmo em pouco tempo de convivência, ele diz que já aprendeu muito com ela.

“O maior aprendizado é a questão de encarar tudo com bom humor. Eu imagino que não deve ter sido fácil para ela deixar a convivência diária com os familiares e vir para cá com a idade que ela veio. Mas, pelo que dizem, ela não teve dificuldade alguma de adaptação. Dona Dulce é um grande exemplo”, analisa.

Dona Dulce até inspirou poesia (Foto: Luís Eduardo/Portal Correio)

Segredo é amar

Cheia de vida, Dona Dulce conta nunca ter imaginado que chegaria aos 100 anos. Para ela, o segredo da longevidade é sentir prazer em amar o próximo. “Temos que amar as pessoas. Dar carinho. Às vezes a pessoa está triste, basta uma palavra. Uma palavra anima, dá alegria. Eu vejo gente com menos idade que eu e tudo doente, reclamando. Eu digo: minha filha, não reclame tanto. Não pode tá só pensando em doença. Anda, dá uma risada, abraça, beija”, aconselha.

Nesses 100 anos de vida, Dona Dulce aprendeu que a alegria é o melhor remédio para tudo. “A gente tem altos e baixos, a gente passa por umas fases difíceis na vida, mas tem que enfrentar. Muitos enfrentam, outros caem. Não vou dizer que só tive vida boa não, já passei minhas fases difíceis, mas aqui. E animando os outros, vamos enfrentar”, encoraja. E ela não se importa com as limitações que vão surgindo com a idade:

Eu feliz. Já passei por tudo. Já dancei, já brinquei. Tudo eu já fiz

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