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Conheça os riscos para quem cria ou compartilha notícias falsas

A expressão fake news (notícias falsas, em tradução livre do inglês), hoje tão presente no vocabulário da população, principalmente quando se discutem temas associados à política e à administração pública em geral, refere-se a inverdades criadas de forma descentralizada e, muitas vezes, compartilhadas como procedentes através das mídias disponíveis à sociedade, cujos membros, dependendo do grau de discernimento quanto aos assuntos abordados, podem tomá-los como verdades, ser influenciados e compartilhá-los com seus semelhantes, podendo também buscar convencê-los sobre os fatos expostos, criando um ‘ciclo de mentiras’ sem mensuração dos riscos que tais atitudes geram para si e/ou para outrem.

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Popularização recente do termo

A imprensa internacional passou a usar com mais frequência o termo fake news durante a eleição de 2016 nos Estados Unidos, ocasião em que Donald Trump se tornou presidente, tendo o próprio utilizado a expressão para criticar informações que considerou falsas contra ele divulgadas em alguns setores da grande mídia.

No entanto, com o advento dos novos suportes tecnológicos e, sobretudo, das redes sociais da internet, o poder de criação de notícias, fantasiosas ou não, ingênuas ou mal intencionadas, tornou-se bastante difuso, quebrando-se a hegemonia da imprensa tradicional e oferecendo poderes aos cidadãos como propagadores de fatos, os quais podem, em algumas situações, ser enquadrados como ‘fake’.

Com esse novo panorama, personalidades, políticos, empresas, divisões do mundo socioeconômico, entre outras esferas, podem ficar vulneráveis a sofrer ataques e, caso o contexto divulgado não seja esclarecido adequadamente ou seus possíveis autores responsabilizados, podem sofrer consequências diversas.

Fake news

Smartphones dão velocidade à propagação de informações (Foto: Marcelo Casal Jr./Agência Brasil)

Fake news e o contexto midiático atual

Como já citado, as recentes tecnologias permitiram aos cidadãos a potencialidade de eles próprios produzirem e circularem os seus conteúdos, trazendo novos olhares aos eventos, deixando o mundo mais ‘veloz’. Isto trouxe um maior protagonismo de visões antes desconhecidas, passando a existir uma rediscussão acerca dos valores e papéis do jornalismo, por exemplo, na medida em que alguns eventos são antes registrados não por profissionais do ramo, mas por pessoas comuns, com uma câmera de smartphone.

Conforme evidencia a professora, jornalista e publicitária Cândida Nobre, mestre em Comunicação e doutoranda em Estudos da Mídia, nesse ritmo incessante de informações transmitidas atualmente, as pessoas “não têm tempo suficiente para consumir todas elas da forma correta”. Ela considera que esta economia que coloca o compartilhamento e a possibilidade de debater um determinado assunto também acaba contribuindo para a propagação impensada de informações, opiniões e notícias e “é neste fluxo de dados que as fake news encontram terreno fértil”.

Cândida considera que culpar as mídias em si seria mais fácil, mas não tão verdadeiro, na medida em que se envolvem as relações que estabelecemos com elas, com as instituições, nossos próprios valores, educação, visão de mundo e também com os outros.

Crise de credibilidade das informações

“É importante sempre lembrar que a propagação de notícias falsas em si provavelmente surge em paralelo aos mecanismos de informação que se propõem a divulgar fatos verdadeiros”, esclarece a comunicóloga. Dentro dessa esfera se encontram as questões que pairam sobre as maneiras pelas quais a população absorve as notícias e as julga plausíveis ou não, gerando novas preocupações para o jornalismo propriamente dito.

“O que a população parece ter deixado bem claro é que o discurso de imparcialidade autoproclamado por canais tradicionais com práticas que, como sabemos, possuem vieses por conta da linha editorial, dimensões econômicas ou filiações política e ideológica de alguns veículos e profissionais tem sido sistematicamente desnudado por vozes que antes não obtinham espaços e hoje circulam nos ambientes digitais. Assim, é preciso rever os manuais de redação, os modos de apuração e trato com a notícia para que as informações reais e canais que as tratem adequadamente consigam diferenciar-se das fake news que se ‘travestem’ de informações críveis, mas, para um bom leitor, é possível identificar alguns de seus rastros. Neste sentido, o jornalismo também tem que retomar o desafio de contribuir para a educação da população. As agências de checagem de fatos podem dar uma luz a este debate”, comenta Cândida.

Influências em tomadas de decisões

A professora explica que as fake news alteram o nosso senso de realidade, sendo capazes, dentre outras coisas, de distorcer o mundo para que caiba na nossa “caixinha de representações”, como ilustra, tendo esse panorama sido chamado de “pós-verdade”.

“De forma muito simples, envolve a noção de que não importa necessariamente se uma notícia é ou não verdadeira; importa apenas se ela ajuda na sedimentação daquilo que eu acredito, se corrobora com as minhas ‘verdades’ pré-estabelecidas. No entanto, apesar de tratar de uma informação falsa, os efeitos e comportamentos que elas podem provocar são bastante reais. No ano passado, na Índia, por exemplo, houve uma corrente de linchamentos e mortes provocada por informações falsas que circulavam através do WhatsApp, o que fez com que a plataforma criasse o recurso de identificar quando uma mensagem é encaminhada para facilitar o seu rastreio”, exemplifica.

Para a jornalista, há nessas informações falsas um apelo ao emocional que se sobrepõe à razão, especialmente quando vivenciadas de forma coletiva.

Identificação e prevenção contra fake news

“Algumas dicas e instrumentos capazes de ajudar neste processo surgem a cada dia e os rumos que as coisas vão tomar dependem das nossas formas de uso”, acrescenta Cândida. Para se identificar alguns meios de propagação de fake news, a professora cita uma pesquisa feita pela Universidade de São Paulo (USP), por meio do Monitor do Debate Político no Meio Digital, que identificou características de sites que propagam este tipo de informação no Brasil.

Confira abaixo alguns conselhos do estudo:

1 – A maior parte deles tem o domínio ‘.org’ ou ‘.com’, sem o ‘.br’, dificultando o rastreamento de quem registrou o site;

2 – Não identificam o corpo editorial, jornalistas ou administradores;

3 – As notícias não são assinadas;

4 – As notícias possuem opiniões (no jornalismo o campo das opiniões se encontra geralmente em artigos de articulistas);

5 – Publicam com uma frequência muito alta;

6 – O site é poluído e confuso;

7 – As páginas possuem muita publicidade;

8 – Usam nomes próximos a sites já conhecidos;

9 – Por vezes não colocam data nas notícias, especialmente aquelas que podem fazer sentido em outras épocas, dando a impressão de novas sempre que replicadas.

A professora ainda deixa mais alguns aconselhamentos:

“Se a nós foram dados os mesmos instrumentos que aos jornalistas para a produção e difusão de informação, o ideal é que a gente também utilize alguns dos seus critérios de investigação da veracidade. Na dúvida, não compartilhe, mas, caso você descubra que a informação é falsa (o que também pode ser feito por meio de mecanismos como os sites boatos.org e e-farsas, o aplicativo fakeimage detector e agências de checagem de fatos), avise aos seus amigos, colegas e familiares. A desinformação ocorre em sua grande maioria pela falta de conhecimento do modo de funcionamento da produção e circulação dos conteúdos na rede. Não é raro que pessoas dotadas de boas intenções acabem por propagar notícias falsas e, por esta razão, é importante ensinar, sempre que possível, para que elas não continuem cometendo os mesmos erros”.

Fake news

Cidadãos devem se responsabilizar pelo que divulgam nas redes (Foto: Marcos Santos/USP Imagens/Fotos Públicas)

Fake news no contexto jurídico

No Brasil, de acordo o advogado da União e professor Olavo Moura Travassos de Medeiros, especialista em Direito Constitucional e Administrativo, inexiste um tratamento jurídico específico para o tema das fake news, tanto sob o ponto de vista das vítimas, quanto do lado de quem as idealiza, propaga ou compartilha. A resposta para o ponto, segundo ele, é obtida a partir da utilização adaptada do que o ordenamento atual já possui, no âmbito da Justiça comum, ambiente de defesa das pessoas físicas.

“Aqueles que sabem que estão criando, emitindo ou compartilhando fake news podem ser plenamente responsabilizados. Poderão sofrer desde sanções civis, como o pagamento de indenização aos prejudicados, sem prejuízo de uma determinação para que desfaça o ato e/ou se retrate com idêntica amplitude da inverdade difundida, até sanções criminais das mais diversas”, explica Olavo.

O jurista segue detalhando os tipos de crime e punições aos quais o universo das fake news pode estar relacionado:

“Aquele que dolosamente emite fake news para ofender a honra de uma determinada pessoa pode ser considerado autor de calúnia, difamação ou injúria, a depender das particularidades do caso. Se cometidos na presença de várias pessoas ou por meio que facilite a divulgação, a pena do infrator poderá ser aumentada em 1/3. Ainda, e mais grave, aquele que pratica, induz ou incita discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, valendo-se de fake news, cometerá crime de racismo, punido com pena de reclusão, imprescritível e inafiançável”, assevera.

Há também, como já tratados, os casos em que as fake news são repassadas sem que o usuário da informação tenha real noção de sua procedência e veracidade. O agente então, pode se tornar mais uma vítima da situação:

“Aqueles que repassam fake news acreditando se tratar de conteúdo verdadeiro, e os que, apesar de duvidosos, repassam a informação sem plena certeza de sua veracidade, terminam sendo vítimas daqueles que criaram as fake news. Os primeiros por inocência e os últimos por descaracterizarem as fake news, pois para eles não há o intuito deliberado de vantagem econômica, financeira, política, eleitoral, etc, que pode existir em quem criou e dolosamente distribuiu aquelas fake news”, detalha o advogado.

Meios de defesa

Olavo Moura ressalta que caso as fake news possuam conteúdo difuso ou coletivo, capazes de abranger uma coletividade indeterminada de pessoas, pode o cidadão acionar os órgãos de representação coletiva, a exemplo da Advocacia-Geral da União, os diversos Ministérios Públicos, bem como as Defensorias Públicas.

“Se, por um lado, a Constituição de 1988 permitiu uma ampla liberdade comunicacional, assegurou a todos, para além do direito à informação, os direitos de honra, imagem, intimidade, etc, de modo que estas inverdades, quando somadas deliberadamente a um propósito danoso a alguém, devem receber tratamento jurídico adequado, permitindo que o prejudicado se valha dos meios necessários e suficientes para repeli-las”, assegura Olavo.

Fake news na internet

Quando as fake news fazem vítimas e prejudicados no ambiente digital, a Lei que instituiu o Marco Civil da Internet, de nº 12.965/2014, com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, asseverou que ‘(…) o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário’.

“Desta forma, eventual prejudicado, tanto se souber do nascedouro das fake news e, portanto, atuando preventivamente, como no momento após a ‘viralização’, poderá valer-se do Poder Judiciário para coibir as inverdades”, indica o jurista.

Combate às fake news x liberdade de expressão

O professor detalha que o direito à liberdade de expressão em sentido amplo se ramifica nas liberdades de informação (direitos de informar, ser informado e se informar), de imprensa, radiodifusão ampla (sonora, cabo, satélite, digital, online, etc), jornalísticas e a própria expressão em sentido estrito. Todas estas liberdades são características de uma sociedade que pretende ser democrática. “Não há que se falar em democracia sem informação”, declara o advogado.

No entanto, tal direito não pode ser tratado como absoluto, o que não podemos confundir com censura.

“Constitucionalmente se consagra a convivência das liberdades públicas, de modo que não existem direitos absolutos. Não escapa deste contexto a liberdade de expressão, sobretudo aquela utilizada como arma para prejuízos ao patrimônio material e imaterial de pessoas físicas e jurídicas, grupos econômicos, governos, etc. Desta forma, o combate às fake news não arranha a Constituição. Pelo contrário, aperfeiçoa a qualidade da informação num regime democrático”, conclui Olavo Moura.

Enquete Portal Correio

Uma enquete promovida pelo Portal Correio em setembro de 2018, direcionada aos internautas que acessam o site, mostra que identificar fake news ainda é um problema. Das 1.223 pessoas que responderam, apenas 44% (534 votos) afirmaram que saberiam reconhecer uma notícia falsa na internet.

Por outro lado, 32% (390 votos) afirmaram que só conseguem identificar uma notícia falsa às vezes. E 24% (298 pessoas) disseram que não sabem reconhecer fake news na internet.

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