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Criminosos usam pessoas e até drones para abastecer presídios

O reforço na segurança dos presídios da Paraíba – inclusive de segurança máxima – não tem evitado que as ‘mulas’ continuem levando drogas para o interior das unidades. Nem mesmo a aquisição de equipamentos modernos, como o body scan, utilizado na revista dos visitantes, consegue intimidar. Além das ‘mulas humanas’, as tecnológicas vêm colaborando cada vez mais com o crime. Drones, por exemplo, têm sido usados para lançar as celulares nos pátios das penitenciárias. Para driblar as câmeras de segurança, as luzes do equipamento são cobertas e os objetos lançados.

“Com os drones, (as mulas) também estão levando e jogando (drogas e celulares) de grandes alturas. Antes eram baixos, mas agora, vão à noite, cobrem a luzinha, ficam muito altos e não são visualizados”, relatou Wagner Falcão, presidente da Associação dos Policiais Penais da Paraíba e vice-presidente da Associação Nacional dos Policiais Penais.

Roger

Presídio do Roger, em João Pessoa (Foto: Nalva Figueiredo/Jornal CORREIO)

Outra forma é através de pedras falsas arremessadas. “Pintam os objetos como se fosse uma pedra, envolto com um papel parecido com uma pedra, cobrem com cola, passam na areia e jogam à noite. Os apenados tentam pegar durante o dia. Mas, antes do banho de sol, fazemos uma vistoria para ver se encontramos pedra com uma ‘carinha’ diferente”. Ele afirmou que ainda são necessárias rondas externas, mas para isso é preciso mais gente. Atualmente, o número de policiais penais corresponde a 13% do total de presos.

Segundo Wagner, a fiscalização foi reforçada e aumentaram as apreensões. “Não tem uma quantidade grande de droga, nem por isso deixa de ter porque são muitos viciados, traficantes e o efetivo é pequeno”, disse. Para dificultar a fiscalização, a maconha – que exige uma quantidade maior para atender a demanda – está sendo substituída por comprimidos, crack ou pó que mesmo em quantidade menor, fazem mais efeito.

A ‘mula’

Normalmente, a esposa, a companheira, a mãe ou alguém próxima ao apenado é usada como ‘mula’. “É mais uma vítima do sistema. As ‘mulas’ não vão para vender. Geralmente, o marido é traficante ou viciado, quer continuar a prática do delito dentro do sistema, e força ela a uma situação de risco total, até mais do que no tráfico comum. No comum, como as pílulas, crack, pó, a quantidade é pequena, é fácil de esconder. Mas, ali é uma quantidade maior, se arriscam demais e sabem que temos o scanner“, explicou Wagner.

Mulheres não falam por medo

Quando são flagradas, as ‘mulas’ não admitem que são forçadas. “Dizem que vão fumar (a droga) com o marido lá dentro. Elas não acusam. A partir do momento que acusam, viram ponto de vingança, ou vão para a cadeia ou vão para a favela onde moravam. “Normalmente, elas se calam. Não entregam, não dizem motivação. O próprio marido se acusa”, disse Falcão.

O apenado sempre assume, mas tanto ele quanto a mula vão para a delegacia. “Mesmo ele assumindo, não tira a responsabilidade dela. Legalmente, a traficante é ela, embora seja a vítima. Fica numa situação de penúria, ela vai ser a criminosa quando, na realidade, é uma vítima do crime”, observou Wagner Falcão. Quando a mulher é presa levando material ilícito, responde por esse crime e tem o agravante de ser numa unidade prisional, respondendo ainda por associação para o tráfico. O apenado também responde.

“A gente vê que muitas vezes são pobres coitadas, que ficam sem opção. Normalmente, dependem deles. E o crime não para por aí, porque elas têm filho do apenado, são forçadas porque dependem dele, servem de pombo correio”, acrescentou.  Mesmo com o body scan, o número não diminui. “Isso leva a crer que há uma pressão enorme para que elas levem. O risco é muito grande e elas sabem que existe um aparelho altamente eficiente”.

Muitas, conforme Falcão, levam crianças para facilitar. “Querem evitar que se pegue pesado. Normalmente, entram em estado de pranto”. Ele afirmou ainda que, se forem flagradas, não vão mais poder visitar o marido, serão encaminhadas à delegacia, que remete à Justiça.

Flagrantes são semanais

Mesmo sem um levantamento do número de ‘mulas’ flagradas nas revistas, Wagner Falcão afirmou que toda semana ocorre apreensão de mulheres. “Não temos números, mas toda semana, em todos os presídios acontece. No PB1, onde a revista é minuciosa, a gente pega”, revelou.

Segundo ele, antes havia uma dificuldade muito grande de constatar se as mulheres levavam drogas ou celulares. “E elas eram highlanders, conseguiam esconder entre os órgãos. O antigo modelo de revista foi proibido e hoje, o procedimento que constrangia as mulheres tornou-se mais eficiente com a utilização de equipamentos eletrônicos. “Elas sabem que são presas e mesmo assim se expõem”, afirmou.

O que complica a situação, de acordo com ele, é que nada na lei obriga a ‘mula’ a constituir prova contra si. Para a retirada do material, inserido no ânus ou na vagina, por exemplo, ela tem que ser levada a um hospital, mas pode se negar.

Os campeões

Os objetos mais flagrados nas revistas são drogas como ecstasy, alucinógenos, pó e crack, mas o celular é o principal produto apreendido com as mulas. Ele é levado em alimentos ou nas partes íntimas e, com o avanço da tecnologia e modelos cada vez menores. “Mas, o body scan identifica até gases”, alertou Wagner Falcão.

Celulares apreendidos no Presídio Sílvio Porto, em João Pessoa (Foto: Nalva Figueiredo/Jornal CORREIO)

As drogas, segundo ele, são levadas no ânus, na vagina, no cabelo, na sandália. “Às vezes, temos a informação antecipada de que a pessoa está com a droga e aí fazemos uma revista minuciosa”. As agentes são especializadas para manipular o aparelho.

Apesar dos flagrantes, o presidente da Associação dos Policiais Penais considera o número de apreensões pequeno em relação ao universo de presos.

Realidade profissional

“Mamãe, eu não disse que estava errado”. A frase foi dita por uma criança de 5 anos à mãe quando ela foi flagrada levando drogas para um dos presídios de João Pessoa. Este foi o episódio que mais chocou a policial penal Adriana Gomes (nome fictício).

Para Adriana, é complicado vivenciar determinadas situações como ver uma criança entender que a atitude da mãe estava errada e repreendê-la no momento em que foi descoberta. “Quando digitalizei a mulher no scanner, perguntei se havia algum corpo estranho, e a criança que estava com ela comentou”, lembrou.

Outro caso que também foi flagrado pela policial foi o da mãe que levou entorpecentes na fralda de um bebê. “Era uma criança de 3 meses com drogas na fralda. Isso também foi bem chocante”, contou.

Ela afirmou que antes do scanner, as mulheres não tinham limites para levar drogas e celulares. “Elas tinham técnicas e o objeto ficava tão encaixado, por trás do útero, que não se conseguia tirar. Na época, era um constrangimento mútuo, tanto para a visitante, quanto para as funcionárias, que passavam das 8h às 15h fazendo a revista em mulheres que vinham menstruadas, com corrimento. O scanner veio revolucionar e dar qualidade ao nosso trabalho. Se tornou mais seguro, pode ser usado em gestantes, e não temos mais insalubridade”, disse.

Cresce apreensão de droga

“Hoje, geralmente elas levam drogas como cocaína, artane e pouca maconha. Depois de instalados os detectores de metais, há cerca de dois anos e meio a três, a entrada de celulares pela porta da frente é zero. Agora, eles entram por arremesso, mas temos feito um número grande de apreensões de drogas distribuídas nas roupas. Elas perceberam que na cavidade a droga se concentra e aparece mais rápido no scanner. No entanto, com ele vemos tudo”, garantiu a policial penal Adriana Gomes.

O equipamento detecta qualquer ponto metálico como moedas, relógios, celulares. “Por isso, pedimos para virem com roupa sem zíper, sem bolso, sem botão”.

Além de operar o scanner, a policial tem outras atribuições, atuando em tarefas que normalmente são realizadas pelos homens, como entrar nos pavilhões, fazer transferência de presos e levá-los para audiência. “É um trabalho árduo”, concluiu.

‘Sempre há laranja podre’

“Tem que ter fiscalização dentro dos presídios, ali é o maior centro de informação, não é a favela. Os grandes cabeças das facções estão nos presídios”, desabafa Wagner Falcão. Porém, de acordo com ele, não são apenas os presos que se envolvem em delitos. Pode haver corrupto dentro do próprio sistema.  “Como em qualquer função, sempre há as laranjas podres. Na Paraíba, o número é muito pequeno. Que eu lembre, em 10 anos, foram duas situações. Hoje, dominamos os pavilhões, eles respeitam. Não usamos arma de fogo, e um agente fiscaliza o outro”, destacou.

Numa das situações, um policial penal foi pego vendendo um celular. “A partir do momento em que se envolve com a criminalidade, ele se torna refém dela. Se identificarmos alguém que, porventura, possa fazer, afastamos. Se for pego, é preso”, assegurou.

Desafios

O sistema está buscando mudanças de dentro para fora. Esse é o grande desafio da ressocialização. A ideia é desenvolver a conscientização dos presos. “Existem outras alternativas e temos tentado fazer isso com pequenas fábricas, qualificando os presos, colocando eles para trabalhar no próprio sistema”. Um projeto aprovado recentemente pela Assembleia Legislativa prevê a criação de uma fábrica em parceria com a iniciativa privada. Será utilizada a mão de obra dos apenados. Eles terão uma poupança que só vão receber quando cumprirem a pena. “É um desafio e vai dar certo”.

Sílvio Porto

Presídio Sílvio Porto, em João Pessoa (Foto: Nalva Figueiredo/Jornal CORREIO)

Com o cumprimento do trabalho, há também remissão de pena. “Ele vai voltar para a sociedade e cabe a nós fazer com que voltem recuperados. Muitos são marinheiros de primeira viagem, cometeram pequenos delitos e se torna mais fácil de recuperar”, avaliou.   Atualmente, no Sílvio Porto, os apenados já trabalham com sandálias. No Feminino Júlia Maranhão, as presas fabricam bonecas e ganham com as vendas. “Fábricas grandes devem trabalhar nos presídio. Queremos quebrar os paradigmas do crime para garantir a ressocialização dos apenados”, completou.

*Texto de Lucilene Meireles, do Jornal CORREIO

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