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A crônica leve de Roberto intensifica diálogo da APL com sociedade

Em um rápido passeio pela Av. Duque de Caxias nestes dias, encontrei com um colega escritor. Ele perguntou: e na Academia Paraibana de Letras, como vai votar? Lhe expliquei que, mesmo sendo frequentador assíduo da APL e tendo já escrito alguns livros de ensaios e poesias, não sou imortal. Não voto, portanto, nas eleições desta instituição. Mas isso, no entanto, não me afasta do sentimento de pertencimento daquela comunidade de escritores e até me faz de algum modo cúmplice de uma imortalidade simbólica não atingida.

Ser imortal de uma academia não nos transforma em uma espécie de herói de corpo fechado. As balas e os sofrimentos cotidianos podem afetar qualquer ser, escritor, poeta ou torneiro mecânico.  As perguntas que fiquei reordenando à minha mente durante aquela conversa com o amigo eram mais simples: por que algumas pessoas almejam a imortalidade acadêmica? Qual o seu valor simbólico ou real que mobiliza uma certa pulsão de energia numa intensa caminhada para ali chegar? Quem afinal a merece?

A imortalidade acadêmica é uma categoria social e estética capaz de oferecer alguma distinção na sociedade, para usarmos uma expressão bastante desenvolvida pelo educador e escritor Pierre Bourdieu. É neste aspecto da distinção, permeado por elementos da vida econômica e de classe social, que devemos nutrir a procura por alguma nobreza cultural – conferida aos indivíduos que participam de instituições acadêmicas, aí incluída a nossa Academia Paraibana de Letras.

A APL neste sentido é um ambiente de confirmação da distinção social, que repousa de algum modo na ideia de uma criatividade e inventividade no trato com a palavra.  Estamos falando aqui de indivíduos possuidores de capacidades criativas apegadas à poesia, à crônica, ao conto, ao romance ou quaisquer outros gêneros literários. Estamos acostumados a pensar estes sujeitos ao longo da história como escritores. Alguns são mais ou menos criativos. Outros geniais que podem aparecer a cada período de uma geração – as vezes só aparecem ao longo de muitas décadas de vazios e tédios culturais. Muitas vezes não ganham visibilidade e tornam-se verdadeiros outsiders.

Evidentemente que não basta apenas ser escritor para participar de uma academia. Um indivíduo precisa ter algumas características para, digamos, começar a dialogar e tornar-se membro aceitável de tal instituição. Na minha percepção estas características são social e literariamente construídas. Não acredito, por força da minha própria formação sociológica, em herança genética capaz de legitimar, por si só, o ingresso em qualquer instituição.

Mas me apeguei em plena Av. Duque de Caxias, com seus camelôs e seus cheiros de mulheres com perfumes baratos combinados com goiabas e laranjas, a questão fundamental que o colega me fazia. Se me fosse dado o direito de voto, qual indivíduo conduziria à imortalidade acadêmica? Pensei alguns instantes, tal como personagem de Samuel Beckett. Olhei para um lado. Mirei o horizonte do viaduto. Pensei imediatamente no nome do Roberto Cavalcanti.

Mas ele é um empresário, argumentou meu colega. Tem legitimidade para ser acadêmico? Olha, expliquei, não estou pensando numa categoria profissional, mas procuraria um perfil capaz de acrescentar algo a instituição como a APL.  Olha, eu votaria em uma pessoa capaz de dialogar com a cultura local. Um indivíduo cordial. Um ser que possa levar algum equilíbrio e luz para as boas conversas e reuniões literárias. Um escritor, cronista leve como Roberto Cavalcanti, que não use da distinção da nobreza cultural dada pela APL para ser pedante.

Um imortal, contraditoriamente como pensa o senso comum, precisa ser próximo das pessoas e das manifestações culturais da vila, da cidade, da comunidade.  E, no momento pelo qual passamos, é louvável ter um homem de ação, executivo, disposto a participar de uma instituição como a APL que deve ter espaço para críticos criativos como Hildeberto Barbosa, poetas fortes como Sérgio de Castro Pinto e cronistas inventivos e iluminados como Gonzaga Rodrigues. Será da combinação e convivência de talentos diversos assim que a tradição da APL se manterá e mesmo se renovará. Enxergo nesse horizonte a contribuição de um Roberto Cavalcanti, como escritor capaz de pertencer à APL.  Ele não limita, não impõe barreiras, mas  intensifica uma janela de diálogo entre a APL e a sociedade.

*A crônica foi escrita por Marcus Alves, que é Doutor em Sociologia e mestre em Comunicação Social pela Universidade de Brasília (UnB). Foi professor do curso  de Comunicação da Universidade Católica de Brasília (UCB), coordenador de Comunicação no Ministério da Integração Nacional, Secretário de Comunicação das Prefeituras  da Cidade de Conde e da Cidade de João Pessoa. É professor dos cursos de Direito e Administração da Faculdade IESP/PB. É jornalista do Polo Multimídia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

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