Sou – infelizmente – testemunha ocular dos dois acidentes que lançam preocupações sobre os milhares de nordestinos que dependem das águas da Transposição do São Francisco.
Testemunha bem próxima mesmo, pois – coincidentemente – ambas as ocorrências (a primeira antes mesmo da inauguração, com rompimento parcial da barragem em Sertânia; a mais recente no canal próximo de Rio da Barra) aconteceram nos asseiros das cercas da Santa Maria, a propriedade que temos nas várzeas do Moxotó.
Antes mesmo de testemunhá-los, cantei essa pedra ao cobrar gestão séria e comprometida para o “mar” sertanejo – artificial e complexo -, formado por centenas de quilômetros de canais, estações de bombeamento, dutos e calhas que demandam manutenção constante.
Não consultei nenhum oráculo para saber o que se desenhava neste horizonte.
Nem precisaria.
Pois toda causa tem, necessariamente, efeito.
E a consequência do que estamos testemunhando hoje na Transposição é resultado de um longo abandono da obra que tem potencial para redimir economicamente e socialmente o Sertão.
Por anos a fio, as placas dos canais ficaram expostas às intempéries, ressecando e se fragilizando – vítimas de uma inércia governamental inaceitável sob todos os ângulos:
Primeiro porque impunha compasso de espera a milhares de nordestinos sedentos.
Segundo porque permitiu que o suado dinheiro do contribuinte fosse torrado sob o sol a pino do Sertão.
Deu no que deu: uma estrutura delicada, que precisa de cuidados redobrados.
Para dimensionar com precisão o que isso significa, tomemos como exemplo uma piscina. Todos nós sabemos o que acontece quando ela fica muito tempo sem água: racha e provoca vazamentos!
É exatamente a este tipo de suscetibilidade a que estiveram expostos os canais da Transposição.
Agravado por um ingrediente adicional, muito peculiar da região em que está inserida: a frágil estrutura geológica do cristalino.
Quem é de lá sabe bem o que estou dizendo: tudo cede, tudo trinca, tudo racha. O sal corrói!
Toda construção que se pretende duradoura demanda reforço descomunal na base.
E ainda assim nossos alpendres e calçadas acusam, com suas fendas, que estamos assentados num chão de sal instável.
Esta é a nossa realidade. E precisa ser levada em conta.
Sem inspeção, manutenção e gestão operosa, testemunharemos – infelizmente, repito – muitos outros acidentes.
Eventos que demandarão providências que vão muito além de curativos.
Pois o abandono dos canais da Transposição nos legou um organismo doente.
E não há band-Aid que estanque essa hemorragia anunciada!