O ritual da escrita é misterioso. Às vezes o papel em branco olha para uma mente em branco e de súbito faz-se a luz.
E a iluminação chegou, desta vez, pelas mãos do amigo velho Evaldo Gonçalves. Mais exatamente Da Jaramataia à Clausura, seu terceiro livro de Crônicas do Bem-Querer.
Na primeira página que abri me deparei com seu discurso, proferido em 09 de junho de 1994 na Câmara Federal, em que clama – vejam só – pela imediata operacionalização da transposição de águas do rio São Francisco.
Há 22 anos, Evaldo defendia para ouvidos federais insensíveis que a transposição seria a redenção de toda uma região, inapta para o desenvolvimento em função dos ciclos de estiagem.
“Se o problema maior do semiárido nordestino é a falta d’água, com essa transposição de bacias, a partir do rio São Francisco até o Ceará, tudo mais virá por acréscimos, em termos de produção de alimentos e desenvolvimento socioeconômico autossustentado. Nada haverá de faltar, como dizem os Salmos de David”.
A urgência da transposição em 1994 é estratosfericamente superior neste final de 2016, o quinto ano de uma seca extrema.
Alguns ouvidos, porém, continuam insensíveis.
Com a ansiedade subindo ao telhado da nossa paciência histórica, as duras penas da lei retardam mais uma vez a chegada das águas.
Dura lex sed lex – a lei é dura, mas é a lei. E nunca minha convicção será abalada no sentido de que a lei, ainda que duríssima, é para ser cumprida.
Mas, me perdoem seus artífices e executores, nunca em minha vida vi tanta impropriedade para se aplicar a legislação quanto a decisão do juiz do Trabalho de Olinda, que suspendeu parte das obras do túnel entre Sertânia (PE) e Monteiro (PB).
Erros são corrigidos. Ajustes são cobrados. Mas não se coloca, deliberadamente, uma pedra no meio do caminho de uma obra redentora como a transposição.
E digo isso com o conhecimento de causa de quem já esteve do lado de lá do balcão, tendo que tomar decisões semelhantes.
Como membro da Comissão Mista do Orçamento, ao longo de meu mandato de senador, muitas vezes tive que emitir pareceres sobre obras tocadas pela União. E todos eles foram no sentido de readequar, ajustar, corrigir.
Jamais parar.
Creio – e aposto até – que por trás da decisão de paralisar as obras da transposição para obrigar a aquisição de materiais de segurança individuais tenha uma porção de boa fé e uma imensa carga de desconhecimento de suas consequências.
Pois teimo em não acreditar que a dureza da lei não amoleça com o drama explícito que neste instante bate a porta de milhares de nordestinos, sonhos esturricados de tanta espera, torneiras vazias de esperança, angustiados pelo fim da última gota que evapora neste longo aguardar.