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Enquanto leis não mudam, sair de casa é ‘ato de coragem’ frente à violência

Vice-presidente do Senado Federal, Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), defendeu mudanças na legislação penal

A onda crescente de violência aliada à sensação de impunidade tem rendido intermináveis debates sobre o sistema de segurança no nosso país. Falta de investimentos, superpopulação carcerária, excesso de recursos processuais, lentidão da Justiça e a efetiva incapacidade do aparato estatal para conter a criminalidade são apenas alguns dos problemas que colocam o Brasil na lista dos países onde mais se matam pessoas no mundo. O projeto que define o Novo Código Penal do Brasil foi criado em 2012 e desde então é apenas discutido e ‘engavetado’.

Sair de casa é um desafio. O medo de ser assaltado ou sofrer algo pior faz o estudante Davi Salviano de Sousa, de 23 anos, seguir com atenção redobrada pelas ruas do bairro do Rangel e transportes de João Pessoa. “Fico na parada de ônibus apavorado. Já fui assaltado e sempre tenho medo. Olho para todos os lados e quando vejo qualquer coisa suspeita, me escondo ou procuro um local mais movimentado”, explica.

A dona de casa Dalmira de Sousa Soares, de 54 anos, mora em Jaguaribe e não gosta de ficar pelas ruas. “De carro, de ônibus ou a pé não há segurança. A gente anda com medo, não sabe o que fazer nem a quem recorrer. Suo aposentada já e pensionista e não trabalho. Saio de casa só quando é necessário porque está muito difícil”, lamentou.

Para qualquer lugar que se procure, sempre haverá relatos como o de Davi e de Dalmira, em João Pessoa ou noutro lugar do país.

Para o secretário de Segurança da Paraíba, Cláudio Lima, não se pode falar em impunidade apenas do ponto de vista da legislação. Ele defendeu a necessidade de uma reforma nas leis penais, mas acredita que o problema não se resolve em sua plenitude se tais normas não forem efetivamente cumpridas pelo Estado, em todas as suas esferas. “Se o Estado cumprisse a lei, a impunidade, com certeza seria bem menor. Até porque o bandido vê que não acontece nada e aí ele é levado ao erro em achar que no país é assim mesmo”, disse.

Cláudio Lima considera se tratar de um problema bastante complexo, que precisa da participação do cidadão, das famílias e principalmente da Justiça. “Quando se tira a vida de uma pessoa e o sujeito só julgado por esse crime dez anos depois, estamos diante de um grave problema. Só pra se ter uma ideia, metade da população carcerária está incluída no sistema de maneira provisória. A Justiça, muitas vezes, é lenta neste sentido, e isso precisa ser revisto”, afirmou.

A falta de investimentos, de oportunidades para o acesso à educação e uma crescente natalidade irresponsável, sobretudo em meio à população mais miserável, são alguns dos fatores que desencadearam a atual situação para a juíza Thana Michele. A magistrada acredita também que o fenômeno das drogas tem sido o principal desafio a ser superado. Ela lembra que o tráfico nunca foi tão disseminado e tão acessível, o que acaba atraindo jovens e até crianças para o mundo do crime.

“Nessa conjuntura, temos uma legislação defasada e ineficaz para o combate da criminalidade, notadamente porque não há o mínimo de investimento na construção e reforma de presídios, com separação entre presos provisórios e definitivamente condenados, e separação por tipo de infração penal cometida. Não há, ainda, a fiscalização efetiva das medidas cautelares diversas da prisão, tampouco das condições durante as fases de progressão do regime prisional, isso, claro, a par do melhoramento do aparato policial”, destacou.

O advogado Inácio Queiroz disse que o país possui mais de 60 mil pessoas vítimas de homicídio por ano, números comparados aos de uma guerra para ele. Inácio lembrou que o Brasil é o detentor da quarta maior população carcerária do mundo, o que contraria a tese de que ainda possuímos muitos bandidos soltos.

Segundo ele, a ‘farra de prisões preventivas’ tem substancial importância para o crescimento da criminalidade, pois o “cárcere no país nada mais é do que uma faculdade para o crime”. Outro fator causador desse cenário, para Inácio, é a incapacidade do atual sistema para promover a educação e ressocialização do cidadão. “A culpa disso é que o País ainda não acordou para buscar soluções para a segurança pública, o que se constata hoje é uma defasagem exorbitante quanto ao número de efetivos policiais, aparelhamentos sucateados, falta de investimento no setor de inteligências das polícias, harmonia e o trabalho em conjunto entre as policias Estaduais, Federais com o próprio exército. Não se consegue elaborar a prevenção do crime, vivemos a combater o pós-crime, mas não a sua prevenção”, comentou.

Já o delegado Lucas Sá acredita que a legislação atual brasileira é fruto do momento histórico e das expectativas sociais de cada época. Ele lembrou que o protecionismo do Direito Penal brasileiro tem por objetivo impedir o cometimento de injustiças. “Por este motivo que algumas regras do Direito Penal não devem ou não podem ser mudadas, pois são um resultado de conquistas da sociedade, após inúmeras injustiças praticadas”, observou.

O delegado defende, no entanto, a aplicação de algumas mudanças para fazer frente à crescente criminalidade, que segundo ele, atingiu níveis intoleráveis. Ele cita uma crise institucional quanto à aplicação de leis no país e lembra que normalmente a legislação só é aplicada a pessoas menos favores, que não possuem assistência jurídica adequada. “O Direito Penal, para ser entendido como eficaz, deve ser aplicado indistintamente a qualquer pessoa que infringiu a norma”, afirmou.

Alternativas

Para a juíza Thana Michele, a construção de novos presídios, como forma de livrar os detentos iniciantes da cooptação pelas facções criminosas ligadas ao tráfico de droga, um maior rigor na progressão de regimes prisionais e mais investimentos na força policial são apenas alguns dos caminhos a serem percorridos para mudar o atual panorama. A magistrada acredita que a unificação das polícias também pode ser uma alternativa a ser avaliada neste sentido.

Sobre a mudança do Código Penal, ela acredita que o país possui um boa legislação criminal, mas sem o efetivo cumprimento. “Sou contra mecanismos que facilitam a liberdade não merecida, que se preocupam em desafogar presídios sem se preocupar com a qualidade dos indivíduos que estão retornando às ruas e que de lá de dentro mesmo continuam ordenando a prática de crimes”, afirmou.

Segundo Thana, o Supremo Tribunal como Corte Constitucional teria força para conter essas progressões de regime indevidas, os recursos criminais infindáveis que trazem ao processo criminal demora tamanha que redunda em impunidade. “Bastaria o endurecimento das posturas jurisprudências de nossas Cortes Superiores para respaldar juízes de primeiro grau no rigor da aplicação da lei penal já existente. Na prática, infelizmente não é o que acontece”, defendeu.

O advogado Inácio Queiroz acredita que a mudança só começará a acontecer a partir de mais investimentos na área de segurança, permitindo um trabalho preventivo das polícias. Segundo ele, é preciso modernizar a atual estrutura e buscar a ressocialização dos apenados. “Fabricamos criminosos em nossos presídios, temos que ter a consciência de que o cidadão ‘jogado’ na prisão, sairá, e como não teve um tratamento a adequá-lo a uma vida social, retornará para o crime”, observou.

O delegado Lucas Sá entende que a curto e médio prazo, é preciso promover mudanças na lei. Outras alternativas defendidas pelo delegado são a integração nacional entre as polícias e investimentos no setor operacional, com a informatização das polícias, contratação e capacitação de policiais e, aquisição de equipamentos.

Dentre as medidas defendidas pelo delegado Lucas Sá, ele acredita que o investimento na educação se apresenta como a mais importante. “Apenas a educação (de qualidade) tornará menos necessárias as primeiras medidas. No entanto, não adianta investir em educação enquanto vivemos uma verdadeira ‘guerra civil’, com a Polícia (leia-se o Estado) tendo menos estrutura e investimento que os criminosos. Isso não pode ser tolerado”, destacou.

Senadores defendem mudanças

O vice-presidente do Senado Federal, Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), defendeu mudanças na legislação penal e lembrou que a segurança pública é uma tarefa dos estados. Segundo o parlamentar, as mudanças que tramitam no bojo das discussões do tema no país só surtirão efeito a partir da disposição dos governos estaduais em relação ao assunto.

Questionado sobre sua colaboração na apresentação de iniciativas relacionadas ao problema, Cássio citou o projeto de sua autoria que cria a Polícia Penitenciária. O tucano lembrou de uma ação da época em que era governador da Paraíba, no início dos anos 2000, quando substituiu os prestadores de serviço por pessoas concursadas na área da segurança penitenciária.

Cássio também fez referência ao projeto do senador João Capiberibe (PSB-AP), criando o Fundo Nacional de Segurança. Segundo ele, a proposta tem por objetivo aumentar os recursos destinados à área. “Tudo depende do ânimo e da disposição com que os governos estaduais tratam o tema. A Paraíba, por exemplo, sofre com a violência, e João Pessoa é hoje a 4ª capital mais violenta do mundo, além de outras cidades do estado que figuram entre as 25 inseguras no mundo”, disse.

Já o senador Raimundo Lira (PMDB-PB), disse considerar a violência como um dos maiores problemas atualmente enfrentados pelo país. Segundo Lira, o Brasil vem acumulando uma série de prejuízos em sua economia por conta da insegurança, sobretudo no turismo.

Ele acredita que se o atual Código Penal tivesse sido mudado há 20 anos, por exemplo, o país teria uma população carcerária diminuída, em pelo menos 50 ou 60%.

Indagado sobre as medidas apresentadas para tentar minorar os problemas, o senador afirmou ter apresentado cerca de 10 projetos, mas revelou que essas ferramentas não têm sido muito eficazes e citou o que entende como uma das alternativas para mudar o atual cenário. “Acredito que algo venha a mudar a partir do anteprojeto do novo Código Penal, que deve contar com a colaboração do Judiciário”, afirmou.

Desarmamento

Um dos temas mais discutidos, inclusive pela população através das redes sociais, é a questão do desarmamento.

A juíza Thana Michele acredita na possibilidade de o cidadão comum poder utilizar uma arma. A magistrada chama a atenção, no entanto, para a necessidade de um rigoroso critério para o porte e registro, dentro da lei, do equipamento. “Acredito que nosso país peca pela não seriedade na fiscalização das imposições do Estado em todas as áreas, e isso em parte também se revela algo cultural de nosso povo, que merece ser repensado. Se formos criteriosos com os requisitos do porte e registro de armas de fogo, não vejo problemas, principalmente nos tempos de hoje, em que possa, dentro da lei, o cidadão comum estar armado”, observou.

O delegado Lucas Sá defendeu a manutenção da proibição para o porte de armas, pelo menos num primeiro momento. Segundo ele, poderia-se flexibilizar a aquisição de armas para defesa pessoal, desde que permanecessem nas residências e estabelecimentos comerciais dos proprietários.

Lucas disse que o aparato policial é insuficiente para fiscalizar o comércio de armas e um provável aumento na demanda só iria prejudicar o trabalho da segurança.

“A partir do momento em que tivermos uma estrutura adequada para todas as polícias e investimento mínimo em educação de qualidade, com níveis toleráveis, poderemos pensar em liberação do porte de armas, atendidos os requisitos legais. Outra mudança que não respeite estes passos importantes poderá trazer conseqüências ainda mais trágicas à nossa gravíssima crise de segurança pública”, afirmou.

O delegado disse ainda que a população pode e deve continuar nas polícias, pois, segundo ele, apesar de todos os problemas é uma das poucas instituições que protegem o cidadão. “Nenhuma instituição sozinha irá resolver o problema da segurança pública. Apenas quando houver uma união institucional, vontade política, enquanto nação é que vislumbraremos uma ‘luz no fim do túnel’ para nossa intolerável situação atual de insegurança pública”, arrematou.

O advogado Inácio Queiroz se mostrou favorável ao desarmamento por entender que possuímos uma cultura que não permite o uso de armas por um cidadão. Segundo ele, a alteração do estatuto do desarmamento seria um retrocesso, não se pode atribuir ao cidadão uma obrigação que é do Estado. “É o mesmo que tentar apagar o fogo com gasolina. Acredito que a tentativa de revisão da lei estaria intimamente ligada ao lobby da indústria bélica”, afirmou.

Afinal, teremos mudanças?

O projeto do Novo Código Penal está em andamento no Senado e teve última ação registrada em junho deste ano, quando foi convocada uma audiência pública. Veja aqui o andamento da proposta.

Criado pelo senador José Sarney, em 2012, o projeto vai ser discutido em audiência pública convocada pelo senador Antônio Anastasia (PSDB) na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) do Senado. A data ainda não foi definida.

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