Moeda: Clima: Marés:
Início Notícias

Enquanto orla é priorizada, bairros sofrem sem mobilidade

Os bairros mais afastados do Centro de João Pessoa vivem à margem das regras urbanísticas, sem direito à qualidade de vida, sem infraestrutura para o trânsito. Faltam consciência cidadã e civilidade, essenciais à mobilidade urbana de qualquer cidade ou bairro. Ruas sem calçamento, poucas linhas de ônibus, atrasos, coletivos em más condições. Há bairros onde o transporte público não passa nas ruas “por dentro”, aumentando o percurso do usuário até a parada que, por sua vez, não tem cobertura.

Leia também:

Quem opta por se livrar desse problema e aderir à bicicleta como meio de transporte, enfrenta outro drama, se arriscando em meio ao trânsito por não contar com ciclovias ou ciclofaixas que garantam segurança. O pedestre, por sua vez, não escapa das dificuldades, encarando calçadas esburacadas onde é difícil caminhar. Idosos, cadeirantes e pessoas com dificuldade de locomoção são as mais penalizadas com as condições das calçadas que, em muitas vias, sequer existem.

As dificuldades, porém, não param por aí. Quem tem carro também amarga prejuízos. Buracos, irregularidades, água acumulada da chuva patrocinam as “quebras” que levam os proprietários a tirarem do bolso valores altos para consertar o automóvel adquirido com esforço.

Enquanto isso, o Município esquece de investir em melhorias para quem vive nas áreas mais carentes da cidade. E assim funciona a mobilidade urbana em vários bairros de João Pessoa, onde sobram problemas e faltam soluções.

Histórias de quem convive com a (i)mobilidade

O entregador Manoel Messias Jesus Silva, de 37 anos, acorda cedo todos os dias e sai de bicicleta. A escolha pelo meio de transporte aconteceu por conta do atraso dos ônibus que passam pelo Bairro das Indústrias. A localidade é servida pelas linhas 115 – Distrito Industrial, 1001 – Circular e 104 – Bairro das Indústrias, mas o 115, segundo ele, tem poucos veículos e a rota do 1001, como é circular, é extensa.

Manoel Messias Jesus Silva usa biciclieta para trabalhar, mas enfrenta precariedades no percurso (Foto: Assuero Lima/Jornal CORREIO)

“Apesar de ser econômica, a bicicleta acaba sendo perigosa. Eu já sofri acidente porque os carros não respeitam. Fiquei todo arranhado e a sorte é que não foi nada mais grave. Se existisse uma ciclovia para dar segurança, isso não teria acontecido ou, pelo menos, o risco seria bem menor. Acho que tem que investir nisso, principalmente nos bairros onde moram as pessoas mais carentes, que usam a bicicleta como meio de transporte”, sugeriu.

Para piorar a situação, os moradores enfrentam ainda a falta de calçamento. O aposentado Francisco de Assis Batista Silva, de 52 anos, contou que várias ruas não são calçadas e não tem fiscalização em relação a isso. Os buracos na Rua dos Carteiros, onde mora, têm causado prejuízos para quem tem veículo, e a situação se estende para outras vias como as ruas dos Enfermeiros e dos Trabalhadores.

“Aqui quebra carro, cai moto. O pneu do meu carro já furou. Outra coisa é que começaram um saneamento aqui, mas o serviço parou e a gente não sabe quando termina e nem o que vão fazer depois, mas a bagunça fica aí no meio da rua. Pior é que quando chove isso vira um rio, ninguém vê onde está pisando e, para chegar até a parada do ônibus as pessoas enfrentam um desafio”, observou.

Perimetral ajudou, mas não resolveu problemas

No bairro Gervásio Maia, o acesso melhorou com a conclusão da Perimetral Sul. No entanto, outras ruas pouco movimentadas estão esquecidas, sem calçamento, e se transformam em lamaçais no período chuvoso. “Aqui ainda tem muita coisa para ser feita e uma delas é o calçamento”, observou a aposentada Geni Maria Pereira dos Santos.

Na Rua Venâncio Gonçalves de Oliveira, no Colinas do Sul/Gramame, a população reclama que os ônibus da linha 116 – Colinas do Sul – demoram a passar, e o 2501 – Rangel/Epitácio é a única opção para os usuários, porém, o percurso é longo demais, já que se trata de um circular. “Eu trabalho na Avenida Ruy Carneiro e inicio às 11h, mas se perder o ônibus de 8h40, não consigo chegar no horário”, relatou a atendente Rayane Pereira.

Bairros, mobilidade

Em Gramame, ruas não são calçadas (Foto: Assuero Lima/Jornal CORREIO)

No bairro Valentina, além da demora da linha 1008, que é uma integração entre o bairro e Mangabeira, os usuários precisam enfrentar sol e chuva em algumas paradas de ônibus: uma delas fica próximo à rotatória da Rua Embaixador Sérgio Vieira de Melo. “É um sofrimento”, resumiu a dona de casa Maria Lúcia de Alcântara. O balconista Tiago Marques observou que a explicação é simples: “O bairro cresce, a população aumenta, mas o número de ônibus e as paradas permanecem os mesmos de antes”, analisou.

Urbanista aponta erros

“O erro começa na origem, quando foi concebido um conjunto distante do Centro, na medida em que é previsto na construção lógica, que é mais barata, com preço da terra não controlado, começa daí. Quando se vai investir, tem que ser de forma digna e completa”. A análise é do urbanista Marco Suassuna, que tem experiência na área de planejamento e desenho urbano.

Segundo ele, quando se constrói longe, encarece tudo, água, rede coletora de esgoto, energia elétrica, estrada. E esse custo vai encarecendo enquanto a cidade vai se espraiando, tornando maior o custo para as pessoas e para a prefeitura. “O fato de não ter calçada, ciclovia, a raiz está desde a concepção inicial, longe do trabalho”, disse.

Em relação à mobilidade, ele observou que existe uma concessão para o transporte coletivo. “Eles precisam lucrar. Então, a frequência de ônibus é proporcional às pessoas que usam. Se tem poucas, colocam poucas linhas. Bairros com baixa densidade populacional, pouca gente usando, a frequência reduz. O empresário não bota mais ônibus porque não tem lucro, gasta diesel, pneu, não tem um pensamento social”, constatou.

Para a situação das vias, que estão esburacadas, Suassuna avaliou que se trata de uma questão de continuidade. “Um governo começa, a gestão não consegue fazer toda a obra. Na outra gestão, o grupo da oposição vence e não há interesse de dar continuidade para não evidenciar o trabalho do opositor. Essa falta de consciência política e cidadã, essa política partidária rasa que não pensa numa cidade para todos de forma equânime, faz com que o espaço seja reflexo dessa situação. Esquecem que as obras são do povo”, ressaltou.

Urbanismo

No bairro dos Bancários, a região da Praça da Paz é muito movimentada. Ali há um nó de atividades e fluxo de pessoas atraídas pelo comércio. A realidade do local mostra a descentralização dos usos e promove uma mistura de forma equilibrada.

Bairros, Mobilidade

Nos Bancários, há estrutura e serviços (Foto: Assuero Lima/Jornal CORREIO)

“Isso é bacana para as ruas. Onde há muros e cercas elétricas, tem muita casa, e coloca mercadinho, padaria, salão de beleza, entre outros, é uma estratégia que chamamos de urbanismo, combinar comércio com moradia, combinando também com a geração. Isso tem que estar concebido desde o desenho do loteamento, essa dinâmica de alternância”, apontou.

A mobilidade urbana, na visão de Marco Suassuna, tem que melhorar, mas segundo ele, tem jeito. “Em Mangabeira, por exemplo, não se precisa mais sair para fazer as coisas no Centro. Lá tem creche, escola, hospital, área de lazer, tudo. Se os bairros mais afastados do Centro ou das praias forem melhorando isso ao longo dos anos, vai dar mais oportunidade das pessoas ficarem lá”, acrescentou o urbanista.

Orla priorizada: ‘É preciso reduzir as diferenças’

Enquanto aalguns bairros são esquecidos, quem mora na orla da Capital conta com ônibus que passam com frequência, ciclovias, calçadas acessíveis e padronizadas. “Infelizmente, ocorre isso, um contraste gigantesco. A praia é uma área visível para o turista”, constatou.

Segundo ele, Tambaú, Manaíra, Cabo Branco são mais visíveis do ponto de vista da ação do poder público, dando mais visibilidade à imprensa, turistas. “É uma imagem vendida, em contrapartida à imagem real. Cabe à imprensa mostrar essas questões”, opinou.

Orçamento Participativo para calçar vias

Apesar de todas as reclamações da população, a Secretaria de Infraestrutura de João Pessoa (Seinfra) informou que está executando obras de pavimentação em diversos bairros da cidade com o programa ‘Mais Pavimentação’, incluindo alguns dos bairros citados. As ruas com prioridade são eleitas nas plenárias do Orçamento Participativo pela própria população.

Os moradores, conforme a Seinfra, devem entrar em contato com o Orçamento Participativo e solicitar o articulador responsável pela região do bairro, que poderá fornecer mais informações sobre como proceder para solicitar a pavimentação. Além disso, é possível solicitar por meio do IPTU Cidadão, acionando a Autarquia Especial Municipal de Limpeza Urbana (Emlur).

Sobre a obra de saneamento no Bairro das Indústrias, nem a Seinfra, nem a Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa) assumiram a responsabilidade. A Seinfra informou que não é do município. Já a Cagepa ressaltou que não está executando nenhuma obra do tipo no local.

Bairros

No Bairro das Indústrias, ruas não são calçadas (Foto: Assuero Lima/ Jornal CORREIO)

Novas linhas de ônibus

Não há perspectiva de criação de novas linhas nos bairros mais afastados do Centro em João Pessoa. A Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana (Semob) informou que todos os bairros mais distantes contam com ônibus e os coletivos, de fato, não atendem toda a região do bairro, realizando itinerário de um coletivo circular, pois aumentaria o tempo de viagem e tornaria inviável a operação.

Segundo a Semob, as linhas trafegam nas principais vias e dentro dos bairros, abrangendo um maior número de usuários. O bairro Colinas do Sul, por exemplo, é atendido pelas linhas 116 – Colinas do Sul; a 2501 – Rangel/Epitácio; 5201 – Colinas Do Sul/Epitácio/Rangel, 103 – Gramame Via Engenho Velho/Integração e o 101 – Grotão, que sai do Conjunto Gervásio Maia para o Centro, e é um dos que não deve receber novas linhas.

A Semob enfatizou que, quando a ordem de serviço não está sendo cumprida, a fiscalização para verificar a irregularidade deve ser solicitada através do Disk-Semob.

Disk-Semob

  • 0800 281 1518
  • 3218-9310 ou 3218-9311 

Ciclovias

João Pessoa conta com uma malha cicloviária de 60 km. Aos domingos, esse número passa para 71,5 km devido à implantação da ciclofaixa de lazer da Avenida Epitácio Pessoa. Existe também um projeto em execução na Avenida Pedro II, que terá, em breve, uma ciclovia praticamente nova com as obras de requalificação.

Está em execução também, de acordo com a Semob-JP, a recuperação do gradil que separa a Avenida Pedro II e o Jardim Botânico e o Ibama e também a requalificação e pintura de toda a ciclovia, que tem 1,1 km de extensão.

Há também um projeto para a Avenida Epitácio Pessoa que prevê a instalação de calçadas padronizadas e acessíveis, construção de uma ciclovia, além de jardinagem, iluminação em LED e novo recapeamento asfáltico.

Sem informações

O CORREIO solicitou à Prefeitura de João Pessoa a extensão dos maiores bairros das áreas mais afastadas, a exemplo de Mangabeira e Valentina, mas a informação não foi repassada.

*Texto de Lucilene Meireles, do Jornal CORREIO

publicidade
© Copyright 2024. Portal Correio. Todos os direitos reservados.